ALMIRANTE VERMELHO OU DO POVO?

Por Ramalho Leite

Quando ele chegava à Paraíba, antes da implantação do regime de 64, era recebido com todas as honras. Carro oficial e ordenança à disposição. Lembro-me de tê-lo avistado na Festa das Neves, acompanhado de Waldir dos Santos Lima, então Chefe da Casa Civil de Pedro Gondim. Marta o apontou de longe: é Cândido, primo de papai. Anos depois, quando me aproximei dele, já estava anistiado e reformado da patente de Almirante. Dera uma volta ao mundo, fugido da Pátria, e agora, na sua Paraíba, receberia, apenas, o aconchego e o abraço dos parentes.

Fora batizado Cândido Virginio de Aragão e levado à pia da Igreja das Neves por um procurador de Flávio Maroja, seu padrinho ausente ou indisposto para cumprir essa tarefa que, por certo, não pedira. “Tangido pela fome”, como confessaria um dia, o jovem Cândido pegou um navio em Cabedelo e partiu para o Rio onde, inicialmente, ingressou no Exercito. Dois anos depois, porém, já era soldado fuzileiro do Regimento Naval. E como já se escreveu, à época, “somente grande vocação ou grande necessidade impelia o cidadão para a caserna”. Cândido Aragão talvez unisse as duas precondições, acredita seu biógrafo, de quem falarei adiante.

Começar a vida como marinheiro e alcançar o almirantado não era para “qualquer um”. Herança do período imperial, chegar à patente de oficial das nossas Forças Armadas não era fácil para os menos favorecidos. Notadamente, na Marinha, predominou por décadas a tradição oriunda da Academia Real de Marinha onde sòmente os filhos de fidalgos tinham acesso. A reformulação pela qual passou a força anfíbia após 1924, permitiu a ascenção do paraibano ao oficialato, e mais adiante, ao comando do Corpo de Fuzileiros Navais, onde o encontrou o golpe militar de 64.

Para seus opositores, Aragão era o “almirante vermelho”. Para seus admiradores, o “ almirante do povo”. Integrante do dispositivo militar do presidente João Goulart, há quem o aponte como o pivô da queda de Jango, por ter sido carregado nos braços durante assembleia dos sargentes no Automovel Clube do Brasil. A quebra da hierarquia militar que já incomodava os quarteis, teve, no episódio, a gota d´água. A queda de Goulart levaria o almirante Aragão à prisão e ao exílio.

No exílio demorou-se no Uruguai, onde rompeu com Brizola na disputa pelo apoio de Fidel Castro. Passou pela China, esteve na Argélia e no Vietnã em guerra. Estava no Chile na queda de Allende e conspirou na Argentina de Peron, demorando-se em Lisboa durante a Revolução dos Cravos, quando foi “aconselhado” a sair, por pressão do governo brasileiro junto aos portugueses.

Retratado como um militar indisciplinado e de conduta social censurável, Cândido da Costa Aragão tem registrado “passagens elogiosas e medalhas militares em momentos alternados com as punições”. A unidade que dirigiu procurou apagar sua tragetória, negando-lhe até a aposição de sua foto na galeria de honra da corporação. Mas seus biógrafos trataram de resgatar a meritória história desse paraibano, acolhido como embarcadiço em um navio, e que chegou ao comando do Corpo de Fuzileiros Navais.

Exemplo disso é a tese de doutorado do ex-marinheiro Anderson da Silva Almeida, sergipano da serra de Itabaiana, que traçou a caminhada de Cândido Aragao desde os primeiros passos no Regimento Naval até a sua morte, solitária de honras militares, acompanhado apenas de parentes e alguns soldados que serviram sob suas ordens. Anderson visitou sua sepultura ornamentada por “petúnias amarelas”. Medita sobre seu significado que, entre outros, traduz revelações, obstáculos e ressentimentos, e pergunta:

-Quem és tú Aragão? O que fazem aqui essas petúnias? Revelações, obstáculos ou ressentimentos?

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