Bode: de escravo no mato a rei na rua

Por Simorion Matos

Um dos maiores símbolos da resistência e da força no semi árido nordestino é o bode.

Antes criado sem qualquer cuidado, na caatinga, se alimentando apenas do que a natureza lhe proporcionava, hoje o caprino tem merecidamente reconhecido o seu valor econômico e social.

Na região do Cariri Paraibano, o segmento da caprinocultura tem se destacado. A atividade produtiva estimula a realização de grandes eventos com forte chamamento turístico. Em Monteiro, foi escolhida a Miss Cabra. Em Cabaceiras, reverencia-se o Bode Rei. Em Gurjão, o povo aclama a importância do Bode na Rua.

Após longos anos teimando em combater a seca, entidades governamentais, associações de produtores e órgãos técnicos se convenceram que, em vez de tentar combater a seca, era melhor conviver com o fenômeno histórico, buscando alternativas. Aí então, quase 500 anos depois que os portugueses descobriram o Brasil, os nordestinos descobriram o potencial econômico do bode.

A agricultura familiar passou a ser valorizada e foi iniciado um trabalho com o objetivo de identificar as potencialidades e os entraves tecnológicos, econômicos e políticos que limitavam o desenvolvimento do agronegócio da caprino-ovinocultura.

Hoje, já existe uma consciência sobre a importância que a atividade tem na ocupação de mão-de-obra familiar e o reconhecimento que os criadores têm no seu potencial econômico.

No Nordeste existem em torno de 6 milhões de caprinos e 7 milhões de ovinos, representando 93% e 48%, respectivamente, do rebanho nacional.

A pecuária de cabras e ovelhas do Nordeste brasileiro foi considerada durante muito tempo como uma atividade destinada principalmente a alimentação das populações rurais por constituir-se numa fonte barata de proteína animal para as famílias de baixo poder aquisitivo e pela capacidade que têm os caprinos e os ovinos de produzir em terras que, muitas vezes, não se prestam para a exploração agrícola e onde outras espécies animais enfrentam dificuldade em produzir.

Essa “fama” impedia que a maioria dos empresários rurais investisse na pecuária desses animais, mesmo ela sendo economicamente mais viável que a dos bovinos, principalmente na região semi-árida.

Entretanto, nos últimos anos, a caprino-ovinocultura vem ganhando destaque, seja pela busca de carne com menor teor de gordura, seja pelo maior retorno que a atividade traz quando comparada a outras espécies de explorações, principalmente à bovinocultura de corte.

A caprinocultura, além de apresentar animais adaptados às condições agroecológicas da região e à cultura do nosso povo, é geradora de renda das propriedades.

Para que possamos obter os resultados que poderemos atingir, muita coisa ainda precisa ser feita. É necessária uma visão econômica mais intensa para que, sendo o preço pago pelo quilo do caprino maior em relação ao bovino, por conta do excelente valor de proteínas da carne de cabritos e borregos, essa carne possa chegar em maior volume à mesa da população das grandes cidades do Nordeste e do Brasil.

A atividade carece de maior atenção por parte daqueles que fazem políticas públicas, vindo a inserí-la como uma atividade econômica importante para o desenvolvimento regional.

Um fator de convencimento para o aquecimento desse mercado é que cresce a demanda pelos chamados produtos limpos, que pouco utilizam, em sua produção, os insumos modernos, à base de produtos químicos. E a criação de caprinos não utiliza praticamente nenhum componente químico.

Entre os avanços, já podemos observar na Paraíba casos isolados de gestão de propriedades rurais de maneira empresarial, preocupação com a qualidade da genética dos rebanhos, alimentação, sanidade e registros dos custos e receitas. O que sempre foi considerado como fonte de subsistência, hoje é encarado como atividade econômica.

O bode está fortalecido. Passou de escravo no mato a rei na rua.

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