CELSO CIRNE, O VISIONÁRIO DE MORENO

Por Ramalho Leite

Segundo Celso Mariz, o seu xará Celso Columbano da Costa Cirne teria sido o verdadeiro fundador da rivalidade que existiu entre Bananeiras e Solânea, notadamente, quando essa vila que se chamava Moreno, contava fábricas,tinha comércio crescente, expandia-se em uma planície com perspectiva de superar a sede municipal. Tornar-se-ia uma porta de saída para os sertões, com a certeza da chegada do trem. Para Celso Cirne, a ferrovia deveria aportar, diretamente, em Moreno, deixando Bananeiras à margem do progresso. Fez gestões nesse sentido e conseguiu que a Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas (IFOCS) realizasse estudos “a fim de modificar o traçado da linha que, escalando a serra da Borborema, teria de penetrar no vale do rio Curimataú e na região das minas de Picuí”*. O trecho era uma continuação da Estrada de Ferro Conde D´eu, e partiria de Independência (Guarabira) até Picuí, onde o trem nunca chegou.

Celso Cirne fói eleito deputado estadual em 1912, juntamente com seu cunhado Sólon de Lucena. Celso juntava ao seu prestígio pessoal a força política do sogro, o comendador Felinto Rocha, que morreria em 1913, antes do término do único mandato do genro. Na vitória política de Epitácio Pessoa, em 1915, os dois políticos do brejo já estavam unidos. Com os votos de Celso e dos moradores da Vila Branca, Solon de Lucena tornou-se chefe político de Bananeiras, tomando o trono dos Rocha. Foi a parceria de Solon com seu parente Epitácio que conseguiu o prosseguimento da linha férrea até Bananeiras. Em um aditivo contratual de 1922 foi incorporada à Great Western o trecho entre Borborema e a Boca do Túnel, este em construção pelo IFOCS. Se contrapondo, pois, ao traçado idealizado por Celso Cirne, Solon proclamou: “o trem chegará a Bananeiras, nem que seja por debaixo da terra”.Terminado o túnel, o trem chegou em 1925.

Descrito por Celso Mariz como “vulto de esquisita singularidade, tão bom, vivaz e inteligente, quão desinteressado de si próprio,magnânimo,desorganizado e sonhador” Celso Cirne foi um propulsor do desenvolvimento do brejo. Fixado em Moreno, ali centrou suas atividades políticas, sociais e econômicas. Havia muita banana na região? – Vamos abrir uma fábrica de doces! Plantamos fumo? – Vamos fabricar charutos! Fundou colégios, e trouxe professores de fora para aprimorar o ensino. Um deles, Álvaro de Carvalho, fez amizade com Solon e com ele ingressando na atividade política chegou à presidência do Estado após a morte de João Pessoa. Nem sempre as iniciativas de Celso Cirne foram vitoriosas. Ele sonhava acima da realidade e muitas de suas ações redundaram em prejuízo financeiro, mesmo com apoio oficial.

Um decreto do presidente Epitácio, de dois de agosto de 1922, autorizou o Ministério da Agricultura a contratar com Celso Cirne a instalação de uma fábrica de farinha de mandioca no distrito de Moreno, com capacidade para a produção diária de duzentas sacas, e concedia um empréstimo de 75 contos de reis para o empreendimento. Outro edito presidencial, este do dia 30 do mesmo mês e ano, abriu um credito especial ao Ministério da Agricultura para pagar ao industrial morenense. Não se sabe se algum dia o governo colheu retorno desse empréstimo, mas é sabido que um pequeno fracasso não levava o nosso herói ao desânimo.

Os seus planos, às vezes mirabolantes, prendiam o ouvinte pela força dos argumentos, mesmos que revelassem uma distância entre o sonho e a realidade.Coriolano Medeiros, patrono da nossa Academia de Letras, foi seu hóspede por uma noite, quando se dirigia a Barra de Santa Rosa. Recebido afavelmente em uma mesa farta, mesmo cansado da longa caminhada em lombo de animais, achegou-se para uma conversa na sala. E se pôs a ouvir. Aquele homem era atualizado com as coisas do mundo e, os ouvidos de Coriolano, mesmo num corpo fatigado, ficaram impressionados com a palestra “afável e cerrada do hospedeiro”. Nessa noite, eu não diria que se discutiu, pois era Celso que discorria sozinho sobre o desenvolvimento da região, com a estrada de ferro em Moreno. Saindo da órbita local, “conversava sobre o futuro da alimentação concentrada e na viagem de horas ao Rio, quando a aviação pouco subira além da Torre Eiffel e o almoço de uma pílula ainda não pesava na maca do soldado alemão”, conforme a narrativa de Celso Mariz.

O dia amanheceu ouvindo-se a voz de Celso Cirne. Coriolano, o hóspede, partiu sem conhecer a cama que lhe haviam preparado para o pernoite.(*Euclides Pinto,in História de Uma Estrada de Ferro no Nordeste).

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