Por trás da crise

Por Zizo Mamede

O noticiário econômico e político nacional tornou-se monotemático: Só se fala de crise, de crise e de crise. Se a tão falada crise fosse em um ser vivo, certamente já teria se ultimado. Já seria um corpo morto em estado de putrefação.

Aliás, a noção de crise, tão familiar à política, à economia, a outras ciências sociais e à imprensa, vem da biologia e da medicina. O conceito de crise foi tomado por outros campos do saber (e do fazer) para traduzir situações de anormalidade, de instabilidade na sociedade.

A crise que assola o mundo desde 2007, só se revelou plenamente em 2008 e aportou no Brasil em 2014. Não é apenas uma crise do capital especulativo e financeiro. Não se traduz apenas em desconfiança generalizada, em instabilidade econômica e política, em incertezas.

A crise atual foi provocada pela elite econômica hegemonizada pelo setor financeiro mundial, os bancos, os especuladores e portadores de títulos de dívidas públicas pelo mundo. A elite econômica é a própria crise, é quem provoca crises e ganha dinheiro com as crises. Os prejuízos das crises são socializados com a população.

A longa crise em curso guarda em suas profundezas um choque entre diferentes projetos de sociedade gestados durante o século XX. De um lado os projetos de cunho neoliberal. De outro lado os projetos de inspiração keynesiana, notadamente o Estado de bem-estar social.

O projeto neoliberal
O gérmen do neoliberalismo foi inicialmente plantado pelo austríaco Friedric August von Hayek , no livro “O Caminho da Servidão” (1944). Mas, à época, o pensamento de Hayek ficou ofuscado pelas propostas de Keynes.

Em 1962, Milton Friedman lançou o livro “Capitalismo e Liberdade” e em 1980, juntamente com a sua esposa Rose Friedman, “Liberdade de escolher”. Essas obras, assim como a de Hayek, são fundamentais no novo pensamento liberal e nas políticas daí decorrentes.

Os papas do neoliberalismo pregam contra o Estado de Bem-estar social e a favor do Estado mínimo (menos intervenção na economia), do Estado de Direito (ação governamental dentro das “regras do jogo”) e justificam a desigualdade social como socialmente saudável.

O neoliberalismo tem forte hegemonia desde o final da década de 1970: Após duas crises econômicas mundiais (1973 e 1979), estavam dadas as condições para a vitória do projeto neoliberal na Inglaterra de Margaret Thatcher e nos Estado Unidos de Ronald Reagan.

Após o Consenso de Washington (1989) as políticas neoliberais (Estado mínimo, abertura da economia, privatizações, austeridade fiscal, reforma previdenciária, etc.) foram transplantadas para a América Latina, como a condição imposta pelos países ricos para a realização de investimentos no hemisfério subdesenvolvido do capitalismo.

O Estado de Bem-estar
A propostas do economista inglês John Maynard Keynes ganharam enorme influência a partir da primeira metade do século XX. O seu pensamento está amplamente exposto no livro “Teoria geral do emprego, do juro e da moeda”, lançado em 1936.

Keynes defendia a ação do Estado na economia capitalista para garantir o pleno emprego, com protagonismo governamental, principalmente em áreas onde a iniciativa privada não quer ou não tem envergadura para atuar.Os principais momentos de adoção de políticas de cunho keynesiano foram em situações críticas do sistema capitalista.

Primeiro nos Estados Unidos, quando o governo de Roosevelt executou o New Deal, o plano que tirou o país da profunda depressão econômica provocada após a quebra da Bolsa de Nova York (1929).

A doutrina econômica fundada por Keynes foi novamente acionada na Europa Ocidental devastada pela Segunda Guerra Mundial, quando foi de fundamental importância a intervenção do Estado para a promoção do desenvolvimento econômico e social.

O pensamento de Keynes foi amplamente difundido e posto em prática até a década de 1970, quando passou a ser questionado. Em um mundo globalizado, com enormes avanços tecnológicos, de comunicação e logística, chegara a hora do ataque à “gastança” do Estado de Bem-estar e de por em prática um novo liberalismo: os capitalistas querem ganhar mais.

A América do Sul se opôs ao neoliberalismo
As vitórias políticas e eleitorais de Hugo Chaves na Venezuela representaram o primeiro questionamento ao neoliberalismo. A leitura política feita pela maioria dos venezuelanos é que o neoliberalismo é um projeto de mundo que concentra riquezas e distribui misérias.

As reações ao neoliberalismo se espalharam pela América Latina com destaque especial para as vitórias e os governos de Lula e de Dilma no Brasil, de Bachelet no Chile, dos Kirchner na Argentina, Mujica no Uruguai, de Evo Morales na Bolívia, de Rafael Correia no Equador.

Esses governos executam políticas de distribuição de renda, de inserção social, de combate a fome e fortalecimento do mercado interno. Tudo isso é uma heresia contra os cânones neoliberais, principalmente contra os interesses do chamado “mercado financeiro”.

Longe, muito longe do estágio do estágio de Bem-estar alcançado pelos países da Europa Ocidental, mesmo assim os projetos dos governos de esquerda na América Latina, guardadas as especificidades, se inspiram nos fundamentos lançados por Keynes. Dentro do capitalismo e longe do socialismo, portanto.

Todos esses governos foram eleitos e reconduzidos pelo voto popular, em eleições amplamente fiscalizadas, inclusive por observadores internacionais. Mas, todos sofrem sem exceção, uma forte, incansável e sistemática oposição, principalmente das grandes empresas de comunicação. O que está por trás da oposição midiática?

A crise política no Brasil
Os meios de comunicação no Brasil principalmente os grandes oligopólios de TV, rádios, jornais impressos, revistas semanais e respectivas sítios na internet são a ponta de lança da oposição ao projeto social desenvolvimentista executado nos governos de Lula e Dilma.

A oposição orquestrada cotidianamente por Globo, SBT, Band, Veja, IstoÉ, Folha, Estadão e Correio Braziliense e respectivas correias de transmissão, articulada com partidos de oposição e de situação (vide PMDB) no Congresso Nacional, não trava uma disputa apenas política, e muito menos em nome do combate sincero à corrupção.

A insistência com que tentam criminalizar os governos de Lula e de Dilma e o próprio Partido dos Trabalhadores não tem caráter apenas político e conjuntural. Da mesma forma que atuam aqui no Brasil, os grupos de mídia na América do Sul, aliados aos partidos políticos oposicionistas, também almejam mais do que a tomada golpista do poder político.

Está em jogo no Brasil e na América do Sul uma disputa mais geral, mais de fundo, que vai além da política. É uma disputa entre projetos econômicos. É uma guerra midiática e parlamentar movida contra os projetos representados e implementados pela esquerda democrática.

Tanto a crise econômica como os escândalos de corrupção são reportados, explorados, insuflados e espetacularizados em função desta guerra. Essa mesma oposição parlamentar e midiática, que sempre atacou Hugo Chaves na Venezuela está atacando o povo grego e crescentes setores da população espanhola arredias ao projeto neoliberal.

O cômico e o trágico
Seria só risível, se não fosse patético, ouvir como determinadas pessoas reproduzem os editoriais das grandes empresas de comunicação do país e até do exterior, sem um mínimo de distanciamento, de desconfiança, de discernimento.

Repetem, sem nenhum senso crítico, aquilo que escutam ou leem como se fosse “a” verdade, o cânone, a palavra sagrada grafada nas tábuas da lei. O exemplo mais atual desse papel de bonecos de ventríloquos são os boquirrotos que reproduzem notícias e opiniões sobre a famigerada crise.

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