RECORTES DE JORNAIS

Por Ramalho Leite

Recebi desde o início do ano passado, em meio eletrônico, o acervo de minhas atividades como deputado estadual, incluída a elaboração da nova Constituição do Estado. Projetos, requerimentos, indicações e discursos abordando os mais variados temas, foram resgatados e fazem parte do memorial da Assembléia. Somente agora foi possível mergulhar no passado e rever alguns assuntos que polemizaram os debates na imprensa, durante a elaboração dos trabalhos da Constituição de 1989. Graças a Cida Lobo, pude reviver aqueles dias em que, como líder do Governo Burity, enfrentava uma maioria ruidosa e aguerrida, preocupada, como dizia, em dar o melhor para a estrutura institucional da Paraíba. Havia também muita incompreensão.

O jornal “O Combate”, de propriedade do jornalista e ex-deputado Jório Machado, sob a assinatura de Sandra Moura (não confundir com a renomada arquiteta) traçava um perfil infame dos deputados constituintes: “…usam gravata e paletó.A maioria tem entre dois e quatro filhos.Quase todos são médicos e advogados com idade superior a 35 anos.Foram a eles a quem os mais de 1,6 milhão de eleitores paraibanos confiaram a tarefa de elaborar a Nova Constituição do Estado.Passados quatro meses da abertura dos trabalhos da Assembléia Estadual Constituinte, inúmeros paraibanos já têm a certeza de que essa confiança atribuída nas urnas aos 36 parlamentares não está sendo correspondida….salvando-se alguns, os parlamentares estão sem fazer nada na Constituinte.Para quem acompanha os trabalhos é fácil notar que eles caíram na ociosidade. Na verdade, muitos deles estão indo à Assembléia para fazer três coisas: dar entrevista, assinar a valiosa lista de presença ( cada deputado recebe 300 cruzados novos por participar de cada sessão constituinte) e jogar conversa fora.(08.07.1989).

“A pressa é inimiga da perfeição”, rebatia o presidente João Fernandes acolitado pelo o relator Egídio Madruga. A conclusão dos trabalhos ocorreria em 05 de outubro de 1989, debaixo de muitas críticas, poucos elogios e alguns protestos. O mais relevante deles protagonizado pelo Governador do Estado, Tarcisio Burity, que recusou o juramento à nova Carta, no que foi seguido pelo presidente do Tribunal de Justiça, desembargador Josias Pereira do Nascimento, ausente da Paraíba, e pelo seu substituto legal, o vice-presidente Evandro de Souza Neves, este justificando para tanto, uma decisão da Corte à qual pertencia.Na realidade, o Tribunal de Justiça estava inconformado com o aumento do numero de membros daquela Corte e, também, com criação do Conselho de Justiça, obra do Voto de Minerva do presidente João Fernandes, depois considerado inconstitucional pelo Supremo.

O governador Burity, por sua vez, apontava vários pontos da Carta que visavam não somente facilitar o seu afastamento do Governo como também à implantação de uma espécie de regime parlamentarista a que chamei de “parlamentarismo tupiniquim”. A maioria da Constituinte tentou fazer da nova constituição um instrumento de oposição a Burity. Não poucas vezes eu repeti: “Burity não é eterno”. O procurador Romero Nóbrega derrubou um a um na suprema Corte, os dispositivos estranhos ao corpo legal e que se chocavam com a Carta Federal. Ao se recusar a comparecer à solenidade de promulgação da nova Constituição, Burity muniu-se de um habeas-corpus, impetrado pelo seu advogado, Joacil de Brito Pereira.Nem por isso, o presidente João Fernandes deixou de, a cada dez minutos da sessão, convidar o governador ausente a tomar assento no lugar que lhe fora reservado. O mesmo procedimento não foi adotado com referência ao representante do Poder Judiciário.

“Burity foi grosseiro” disse João Fernandes ao Correio da Paraíba de 06.10.1989. Mas, comedido, anunciou que não tomaria qualquer decisão precipitada com relação aos ilustres ausentes que se negaram jurar à Carta, acrescentando, porém: Burity não foi apenas grosseiro com os deputados que trabalharam na elaboração do texto, mas praticou “um ato de desrespeito a todos os paraibanos”. Por outro lado, Burity justificou que não iriajurar uma Constituição com a qual ele discorda, e tem a intenção de recorrer ao Supremo. “Burity acha que a Constituição foi feita contra ele”, conclui o jornal. O fato gerou especulações de alguns juristas, inclusive o ministro Rafael Mayer, para quem, a ausência dos chefes dos dois poderes ao juramento da Carta poderia resultar na declaração de vacância dos seus cargos.

Nada disso aconteceu, mas Burity escreveu na sua história esse capítulo inusitado: foi o único governador do Brasil que se negou a jurar a Nova Constituição do seu Estado.

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