SÉRGIO BERNARDO

Por Zelito Nunes – Aposentado do Funrural, cambista em Ouro Velho, irmão de Cona e um do poucos ainda vivos dessa tribo tão grandiosa.

Sérgio é uma criação perfeita de Deus. Magro, bem humorado, atualizado, amigo de todo mundo, não sabe o que é doença e remédio, não toma nem pra “difruço”, porque não sabe o que é isso.

Nasceu no sítio Dependência, no município de Monteiro, no ano de mil novecentos e dez, quando o sertão ainda era repleto de onças, e foi no meio delas que começou a sua vida de almocreve, carregando cargas naqueles sertões bravios, sem conhecer fronteiras, e nem o medo que elas impõem. Lampião já comandava grupos armados e impunha o terror a muita gente que habitava o seu vasto domínio. Sérgio, saindo do Boi Velho, transitava sem sobrosso levando cargas para Serra Talhada, Salgueiro e outras localidades, onde o cangaceiro era temido.

– A gente andava meio cismado, pois não conhecia o homem, mas tínhamos certeza de que a briga dele não era com a gente, por isso não tínhamos medo de andar por lá.

Sérgio, que era afilhado do meu tio Cícero Nunes, da fazenda Boa Vista, foi também agricultor. Alcançou as duas guerras mundiais, viu seus amigos do Boi Velho, e matutos como ele, Pedrinho e Doutor partirem para combater os alemães na longínqua Itália e voltarem cobertos pela glória dos vencedores, viu o Padrinho Padre Cícero, viu o homem atingir a lua, e a chegada da televisão colorida, sem espanto nenhum, como até hoje tem vivido. Viu épocas de bons invernos e grandes secas, viu também gente arribar, morrer de fome, de peste, ser enterrada em redes, tudo conforme a vontade de Deus.

Viu tudo isso e muito mais tem pra contar nos seus noventa e três anos, completados em setembro de dois mil e três, com as pernas firmes, olhos enxergando longe e os pés palmilhando a terra que lhe viu nascer.

Padre João Honório era o pároco da freguesia de Monteiro, em meados dos anos cinqüenta. Veio ainda muito jovem de Areia, na Paraíba, e lá foi ficando até o fim dos seus dias, beirando a casa dos oitenta. Era baixinho, gordinho, papudinho e a sua papada aumentava na medida em que ia se zangando com algum malfeito de um ou outro cristão desavisado. Dava um boi para não entrar numa briga e uma boiada para não sair, era um fidelíssimo servo de Deus e conduzia os seus mandamentos até aos extremos. Era irredutível, mas, também, honesto caridoso e morreu como deveriam os da sua espécie: pobre, sem patrimônio algum, que não fosse o bem que praticou ao longo do seu apostolado.

O povo gostava dele, mas temia os seus gritos, principalmente as mulheres, se estivessem de vestido decotado, ou ombros nus, na igreja ou em qualquer outro lugar que fosse.

Como a sua paróquia se estendia às outras localidades, era certo que todas as terças-feiras estaria em Boi Velho e nas quartas, na Prata, rezando a missa, dando gritos nos matutos e falando mal de João Agripino, político famoso na Paraíba e seu desafeto de estimação.

Um dia de feira, em Boi Velho, padre João Honório, encontrou Sérgio Bernardo na rua:

– Como vai, Sérgio?

– Bem, graças a Deus, melhor, se não fosse essa seca danada!

E completou:

– O senhor vai bem, não é, Padre Honório?

– Vou como Deus permite.

– Sempre gordinho, não é?

E continuou:

– Padre, o Senhor sabe quais são os únicos bichos que não emagrecem na seca?

– Sei não, Sérgio!

– É padre e jumento!

Quando ainda era jovem, ele e o irmão Antônio Bernardo (Cona) conversavam:

– Sérgio tu sabias que eu vou pedir fulana em casamento? (referia-se a uma prima de ambos, muito feia e solteirona)

Sérgio aconselhou o irmão:

– Pois, Cona, tu cuidas logo em fazer esse pedido senão vão terminar sacudindo ela no mato!

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