SEU VICENTE DOS GROSSOS

Por Zelito Nunes

Os Grossos ficam num entroncamento da estrada que liga São José do Egito a Tuparetama, em Pernambuco; e também conduz às cidades de Ouro Velho e Prata, na Paraíba e, dependendo da disposição do viajante, a Paris, Nova Iorque e assim por diante.

É um arruadozinho, que não chega a ter vinte casas, com um campo de futebol onde o gramado são seixos; um grupo escolar e a bodega de Raimundo, um caboclo comprido que só a estrada do Juazeiro, e que jamais vestiu uma camisa. Dizem que botou uma pra batizar, uma vez, um menino.

Raimundo é um matuto calmo, tranquilo e valente, que não “abre” nem prum trem carregado de pólvora com um doido fumando em cima.

O trecho de estrada que liga São José aos Grossos é uma sucessão de curvas, que mais parece uma serpente e é todo ornamentado de cruzes dos muitos acidentes que a estrada provoca.

Seu Vicente morava ali perto dos Grossos, num sitiozinho pequeno, onde passava os dias em meio a jerimuns, espigas de milho e uma “situação” de meio quadro de palma, que cortava para as duas vaquinhas de leite que criava com dificuldade, dependendo exclusivamente das chuvas, que são raras e, às vezes, levam meses pra chegar.

Seu Vicente quase não saía e quase não tinha amigos, visto que todo o seu tempo era para a sua criação e a sua plantação.

Ia às segundas-feiras até Tuparetama, fazer a sua feira e conversar com os poucos conhecidos. Uma vez, ia com destino a Tuparetama e um caminhão que passava deu uma chapuletada num bebinho montado numa bicicleta. Não foi coisa de morte e o desgraçado só levou uns sarrabulhos, ficou meio amassado, mas escapou. Seu Vicente viu tudo.

O delegado novato resolveu abrir inquérito e enviar ao juiz da comarca de Tuparetama e lá vai seu Vicente depor na audiência, diante de um juiz novinho, que tinha idade pra ser o seu neto e um nó na gravata, na tábua do queixo, do tamanho de um ferro de engomar:

– Seu nome?

– Vicente de tal!

– Sua profissão?

– Trabaio na agricultura.

– Viu o acidente?

– A barruada? Vi, sim, senhor!

E tome pergunta e seu Vicente agoniado, pensando nos bichos com sede no sítio, e tome pergunta. O juiz dispensou seu Vicente, ele correu pro sítio, pensando que tudo tinha acabado ali. – Quem disse? Um mês depois, lá vem outra intimação e lá vai o coitado depor outra vez, agora já era um novo e desconhecido juiz.

No outro mês, a mesma coisa:

– Seu nome!

– Vicente de tal!

– Profissão?

– Testemunha!

– Como testemunha?

Seu Vicente “pegou ar”:

– Doutor, o senhor é o décimo juiz que me faz essas perguntas e o meu gadinho que tá lá no sítio com fome e sede não quer saber disso, não. Vamo fazê assim: o senhor me prenda logo, que é mió, pois todo dia eu vou tá aqui pra depor na sua frente!

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