Por João TRINDADE
A noite era clara. A fumaça do espetinho tomava conta do ambiente. Por que proíbem fumaça de cigarro, e não de espetinhos? Coisa de autoridades.
Ela estava ali, pertinho de mim; o rosto colado ao meu. Alvinha, bonita, menina; no mínimo, vinte anos mais nova que eu.
– Estou apaixonada.
– Que papo!
– Sério.
Olhei para a dose e para os lados.
– Bobagem, menina; tenho idade de ser seu pai.
Mudei de assunto.
– E a balística?
Recém-formada. Como todo recém-formado, louca por Direito Penal. Segurei-me à balística, como forma de fazê-la esquecer aquela loucura.
– Estou apaixonada!
– Para! Você está bêbada. Amanhã esquece essa loucura.
– Bêbada é meu ovo.
– O quê?
– Meu Deus, o que fiz? (coloca as duas mãos no rosto). Desculpa a expressão. Você deve estar decepcionado.
Estava um pouco. Uma moça tão bonita, tão inteligente, com aquele linguajar…
Mas nada que fizesse arranhar a ternura.
Dei-me por conta de que estava me apegando a ela.
Pega meu braço, olha-me com ternura e me tasca um beijo na face.
– Para, menina! Sabe quantos anos tem meu filho mais velho? 24. Tua idade.
– Gosto de homens mais velhos.
– Sou casado.
– E daí?
– Para, menina, para…
A noite ia se acabando. Agarrei-me, mais uma vez, à balística e deixei que a garota se abraçasse a um dos amigos que estavam na mesa.
– Quero que você me ensine doutrina. Você é muito inteligente; adoro homens inteligentes. Quer meu telefone? Anote. Me dê o seu. Ah, não!… não posso ligar para você; é confusão na certa com sua esposa. Liga para mim? A Gente marca e bate um papo.
A noite terminou. Pelos menos a minha.
Um longo abraço, o corpo dela pregado no meu.
Menina, repara minha barba. Sou feio e velho.
Você não é feio e nem velho. Pena que não fui sua aluna e sua faculdade concorre com a minha.
– Melhor assim.
– Você marca?
– O quê?
– Jura que a gente se encontra novamente?
– Devo estar sonhando…
– Adeus.
– Adeus, não; até logo. Jura que liga?
– Posso ligar?
– Deve.
– Com certeza estou sonhando…
A noite era clara. Agora, a fumaça do espetinho não me incomoda mais. Ela vai embora, cheia de “cubas”, e eu, de Bacardi. Recaída. A minha psicóloga diz que é normal.
O que não é normal é encontrar uma louca e bela daquela no meu caminho. Devo estar sonhando…
Resisti três dias sem ligar. Uma esposa, filhos. Janeiro cheio de matrículas e carnês de IPTU…
Ligo. Ninguém atende. Ligo de novo. Ninguém atende. “ O telefone chamado encontra-se desligado ou fora de área…”.
Invento desculpas. Olho novamente o número do celular. É aquele mesmo. Deve estar cedo. Passou a noite bêbada, ontem. Baile de formatura, amigos, namorados…
Atende.
– Alô? Não atendeu. Não viu minhas ligações?
– Vi, mas, como já disse, tenho medo de ligar para você.
– A gente se encontra quarta-feira?
– A gente marca.
– Posso ligar mais perto?
– Pode.
– Feliz ano novo.
– Feliz ano novo.
Liguei na terça. De novo, ninguém atendeu. Liguei… liguei… liguei…
Ninguém atendeu.
Foi sonho. Ela estava bêbada, e eu, sonhando.
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