A fidelidade do eleitor

Por Ramalho Leite

Iniciei minha vida pública como vereador em Borborema, aos 18 anos. Desde que comecei a ter noção das coisas, porém, já se respirava política na minha casa. Aprendi e não esqueci até hoje o jingle de Argemiro de Figueiredo para governador, “com Renato (Ribeiro) seu maior batalhador” e que concluía: “ Zé de Almeida, o seu bonde vai errado sim senhor!”. A música ficou nos meus ouvidos e o barulho da derrota dos candidatos do meu pai, na velha UDN, também. José Américo foi o governador eleito em 1950.

Acompanhando as campanhas políticas, guardei lembrança de alguns eleitores que se mantinham fieis ao seu candidato e, fizesse chuva ou sol, no dia da eleição, cumpriam seu dever cívico, e de fidelidade. Havia exceções.

Severino “Doido” foi a exceção mais expressiva.Era famoso em função das carraspanas que tomava e dos discursos que pronunciava em praça pública. Meu pai o protegia e sustentava durante quatro anos, na esperança de que, no dia da eleição estivesse sóbrio para dar seu voto. Quando estava em Borborema ficava hospedado em uma dependência da casa dos meus pais, e raramente voltava a Moreno para visitar seus familiares. Diferente de outros bêbados de rua, quando chegava ao auge do porre, ao invés de ser levado para a cadeia, era rebocado para o quartinho dos fundos da casa de seu Arlindo. Quatro anos de cuidados não bastavam. No dia da eleição, ninguém sabe como, se embriagava e não votava.
Tempo perdido – reclamava meu pai.

A compensação era Luiz Santana, melhor dizendo compadre Luiz Santana, ferroviário e amigo fiel de meu pai. Ele era o termômetro do resultado eleitoral. Luiz Santana chegou para votar? Era a pergunta. Se chegou, era sinal de vitória. Servia como pesquisa. Transferido de Borborema para outras estações do trem, chegava na véspera da eleição. Ouvi dizer, certa feita, que ele estava vindo de Mossoró, e utilizara vários transportes para atender àquele chamado, não da lei, mas do seu compadre.

Na campanha de 1960, Borborema realizou sua primeira eleição na condição de cidade. Meu pai candidato a prefeito, Pedro Gondim a governador e Jânio Quadros a presidente. Era essa a chapa de Luiz Santana, a esta altura, morando na Ilha do Bispo, em João Pessoa, mas com domicilio eleitoral em Borborema, pois “não posso largar compadre Arlindo”. A eleição de prefeito foi apurada em 24 horas, mas a de governador, ainda demorou alguns dias. Voltei à Capital para retomar minhas aulas no Liceu, e foi aqui que comemorei a vitória de Pedro Gondim, com quem trabalharia mais tarde.

Como estudante, morava na casa do meus avós, e fui para a rua acompanhar uma passeata que vinha da Ilha do Bispo juntar-se às comemorações da vitória de Pedro, no Ponto Cem Reis. A multidão, com bandeiras e fotografias pregadas em pequenas varetas, gritava a uma só voz: O homem é Pedro, o homem é Pedro! No meio daquele gente, avistei um dissidente. Seu grito divergia dos demais: “Viva Compadre Arlindo, Viva Compadre Arlindo” e agitava a fotografia de meu pai pregada em um cabo de vassoura. Era Luiz Santana, o ferroviário, comemorando a vitoria do seu compadre para prefeito de Borborema.

Esses exemplos de fidelidade do eleitor ao candidato desapareceram do cenário político. Antes, desapareceu a fidelidade do eleito ao seu representado. Eis a razão!

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