A maluquice é pensar que não temos vaga ideia do que fazíamos em 3 de junho de 1992, quando pela primeira vez Mario, mais um recém-nascido qualquer a chorar num hospital qualquer da Alemanha, viu a luz. Dada nossa sina de marionetes do tempo, estávamos indiferentes à história que começava a ser costurada – lavávamos louça, víamos novela, reclamávamos do centroavante tosco de nosso time, discutíamos futebol com nosso pai, aquela figura de rugas desenhadas também pela dor e pela glória que o futebol tanto nos dá. Não podíamos imaginar o que aconteceria tanto tempo depois, naquele inalcançável 13 de julho de 2014, naquele futuro domingo de sol no Maracanã, naquele instante precioso em que o pequeno Mario, o gigante Mario Götze, com apenas 22 anos e uma eternidade pela frente, receberia de Schürrle aos oito minutos do segundo tempo da prorrogação, dominaria no peito e desviaria para o gol. Não podíamos calcular que surgia o protagonista da vitória por 1 a 0 na final, o sujeito que evitaria uma festa da Argentina no Maracanã, o atleta que tornaria a Alemanha tetracampeã mundial de futebol!
A Argentina de Messi foi grande até os limites supremos. Encarou um time melhor e talvez merecesse a vitória, o título, tanto quanto a Alemanha. Detalhes mudam vidas, mudam histórias, e agora eles penderam para Alemanha – para euforia, absoluto delírio, da torcida brasileira presente no Maracanã. A seleção germânica se iguala à Itália como tetracampeã mundial. O Brasil segue soberano, com cinco conquistas, e a Argentina continua com duas. O terceiro duelo entre alemães e argentinos em finais é também a primeira vez que uma seleção europeia ganha a Copa no continente americano.
O mundo diante de Higuaín
Sussurros seriam ouvidos do outro lado do estádio se alguém ousasse abrir a boca aos 20 minutos do primeiro tempo, naqueles dois ou três segundos de mutismo coletivo em que Higuaín recebeu uma bola de presente de Toni Kroos e, sozinho, avançou com ela na direção de Neuer. Existem chances que não se perdem nem em peladas de família, quanto mais numa final de Copa do Mundo, mas o atacante argentino, talvez embasbacado pela oportunidade que ganhara, talvez se perguntando se merecia tanto, cometeu a insanidade de desperdiçar o gol.
O problema é que o futebol tem algo de rancoroso. O mesmo Higuaín, alguns minutos depois, entrou na área feito um caminhão sem freios, aproveitou cruzamento de Lavezzi, lá da direita, e mandou para as redes. Saiu vibrando, em surto, correndo como um sujeito que daria a volta ao mundo se o Maracanã não tivesse paredes, mas aí o teto dele desabou: do outro lado, o auxiliar, esse corta-prazeres de atacantes, tinha sua bandeira erguida. Correto: o atacante estava de fato impedido.
A grande questão é que os dois lances, acrescidos de uma arrancada assombrosa de Messi (cortada por um Boateng que só precisa de um par de asas para ser decretado anjo da equipe), mostram que houve algo de errado no sólido reino defensivo germânico. Os problemas começaram antes de o jogo começar, por mais estranho que pareça. Khedira, peça essencial na engrenagem do meio-campo, sentiu dores musculares no aquecimento. Não foi a campo. Entrou Kramer, que só tinha jogado 11 minutos na Copa inteira e também sairia lesionado, ainda no primeiro tempo, para a entrada de Schürrle.
Frigidos os ovos, é notável que a Argentina fez muito bom primeiro tempo – e não foi graças apenas aos eternos incômodos causados por Messi e suas disparadas de homem de mil pernas. Também pela defesa. E mesmo se baseando numa estratégia curiosa: deixar Schweinsteiger passear pelo campo como se estivesse de férias. Alejandro Sabella, por algum motivo, preferiu concentrar atenções em acossar os atletas servidos pelo camisa 7, não o próprio. A tática parece suicida, mas até que deu resultado. Porém, quase ruiu no finzinho da etapa, quando Höwedes subiu nas cercanias da estratosfera para cabecear na trave argentina. No rebote, a bola ainda bateu em Müller, e Romero defendeu, mas o lance já estava anulado por impedimento.