O passo rateia um pouco e a voz, por vezes, fraqueja. Mas a disposição se revela imbatível, assim com o humor afiado – Ariano Suassuna está de volta à estrada. Depois de sofrer, em agosto, um infarto e um aneurisma cerebral, que o deixaram em repouso forçado, o escritor e dramaturgo paraibano de 86 anos retomou, nesta semana, em Brasília, as viagens a longa distância para ministrar suas famosas aulas-espetáculos.
Na Capital Federal, Ariano foi homenageado pela 2ª Bienal do Livro e da Leitura, tornando-se o segundo ídolo pop do evento, depois do uruguaio Eduardo Galeano, a arrastar uma pequena multidão para assistir à sua apresentação, na terça-feira. Com uma agenda agora mais restrita – fará no máximo duas longas viagens pelo Brasil a cada mês -, Ariano, em conversa com o “Estadão”, depois de um bem servido café da manhã, comprovou que sua ironia permanece intacta.
“Tive um infarto e um AVC”, contou ele. “Mas escapei dos dois. Eu não acreditava em praga, de médico sobretudo, mas agora acredito. Cinco dias antes, participei de um congresso de cardiologia, em Ribeirão Preto, e o foco era hipertensão. Depois da minha aula, me pediram para participar de uma mesa redonda com cinco médicos. Foi quando brinquei com eles: ‘Não sei o que estou fazendo aqui. Não sirvo como cliente para vocês: tenho 86 anos, minha pressão é 12/8, não tenho nenhum problema do coração, meu perigo é o câncer’. Voltei para casa e, cinco dias depois, sofri um enfarto. Que bicho traiçoeiro que é médico…”
Ainda em Brasília, Ariano participou da oficialização da candidatura de Eduardo Campos (PSB) à presidência da República. Sem esconder sua decepção com o atual governo do PT, o escritor acredita que só Campos, a quem conhece desde garoto, tem condições “de continuar o trabalho político e social iniciado por Lula”.
Militância, no entanto, apenas a política – jamais a cultural. “Não gosto da chamada arte engajada, prefiro colocar meu trabalho a serviço de minhas ideias”, comenta. “As ideias de um escritor podem – e até devem – aparecer no que ele escreve, mas o autor não deve colocar sua obra a serviço de ideias. Gosto quando as ideias são visíveis na obra de um escritor, como acontece com Sartre. Mas, a minha militância em defesa da cultura brasileira é sustentada pela minha obra.”