Por Ramalho Leite
Como eles trabalhavam até altas horas, “desvirginando a madrugada” como diria no futuro o nosso Gonzaquinha, Getúlio Vargas os apelidou de “boêmios cívicos”. Era a Assessoria Econômica, capitaneada por Rômulo de Almeida e da qual faziam parte ainda o sociólogo Jesus Soares Pereira e o paraibano Cleanto de Paiva Leite, além de outros igualmente talentosos e que se demorariam ainda muito tempo servindo à Pátria na área do desenvolvimento. Foi dessas cabeças pensantes, reunidas por Getúlio em quase sigilo, que surgiu o projeto de criação da Petrobrás, com esse acento agudo retirado mais tarde. “A Assessoria foi uma solução informal e muito imaginativa do presidente Getúlio Vargas para escapar do cerco político ao qual ele tinha sido obrigado na escolha dos ministros”, conceituaria Cleanto de Paiva Leite.
A Assessoria Econômica previa que o investimento da Petrobras alcançaria o triplo do gasto em Volta Redonda, esta, produto de negociação de Getúlio com os americanos em troca da participação do Brasil na Segunda Guerra. A proposta original previa a criação de uma sociedade de economia mista, com a União proprietária de 51% das ações, e permitindo que o restante fosse composto pelo capital privado, com a concessão de 10% às mãos de estrangeiros. A UDN, partido em oposição ferrenha ao governo, sempre defendera essa participação do capital privado nas empresas estatais, mas diante do projeto de Getúlio, passou a chamá-lo de entreguista e abraçou o monopólio estatal.
Depois de mais de dois anos de discussões acirradas no Congresso, finalmente, a empresa foi criada, e reservado o monopólio ao estado brasileiro. A UDN, historicamente, arvorou-se em “mãe do monopólio da Petrobras”, pois da sua bancada surgiu a formulação finalmente aprovada. O resultado, porém, nasceu da astúcia política de Getúlio, segundo conta o cearense Lira Neto, um dos principais biógrafos de Vargas.
Lastreado em informação de Tancredo Neves, Lira conta que certo dia, Getúlio mandou chamar alguns parlamentares ao Catete. Entre eles, o próprio Tancredo, o baiano Antonio Balbino e o gaúcho Brochado da Rocha. Getúlio lhes confessou que sempre fora favorável ao monopólio estatal do petróleo. Todavia, temendo que sua proposta fosse derrubada por mera pirraça da oposição, preferiu esperar que “algum parlamentar mais neutro propusesse uma emenda”. “A malícia do presidente era realista”, diz Tancredo. “Os parlamentares da União Democrática Nacional passaram a apoiar a tese do monopólio estatal do petróleo”.
Getúlio não poderia prever, contudo, que do final do século passado e antes de chegar à segunda década do seguinte, a empresa que criou para prospectar, refinar e comercializar petróleo, em terra ou em mar revolto, fosse atacada por um verdadeiro tsunami. Mãos inidônias que não se sujaram de óleo, foram contaminadas pelo vírus da corrupção, sugando o produto mais valioso do povo brasileiro.
Quem foi contaminado, está identificado e vai pagar pelos prejuízos causados a nossa maior empresa estatal. Os crimes apurados não podem, todavia, servir de motivo para a derrubada de um governo legitimamente constituído. Na democracia, quem manda é o voto. É pelo voto que o eleitor exerce sua cidadania, elegendo, ou derrubando quem elegeu.