Por Zizo Mamede
Bolsonaro, a cereja do bolo – O deputado fluminense Jair Bolsonaro, que revela sem rodeios a sua condição de estuprador, não chega a ser um absurdo isolado do momento político brasileiro. Bolsonaro é bem representativo de um movimento, uma onda ultraconservadora que se espraia pelo Brasil, não é simples marola e não é recente. Bolsonaro é o pupilo mais extravagante e exibido da política mais reacionária. A política que nega a política se apresenta, de cara lavada.
O politicamente incorreto – O pensamento conservador vem ganhando terreno no Brasil. A filosofia de um Luiz Felipe Pondé, assumidamente contrária a um mundo melhor, e a historiografia desonesta de um Marco Antônio Villa saem da universidade para as telas da TV e para as colunas dos grandes jornais. Diogo Mainardi e Reinaldo Azevedo, próceres articulistas de direita cultivam leitores por todo o país. Merval Pereira, das organizações Globo, ganhou assento na Academia Brasileira de Letras por ser notável escritor das mazelas, segundo ele, inerentes ao PT.
A negação da política – Poderosos setores da sociedade, partidários do ultraliberalismo, querem o mercado acima do jogo político democrático. A insistência com que a mídia mais tradicional bate na tecla da corrupção como sinônimo de política e na construção da política como sinônimo de incompetência, fazendo do esvaziamento da política a grande pauta do país, não produziria outro efeito, senão a incitação ao conservadorismo com todas as suas mazelas: autoritarismo, violência, machismo, preconceito e discriminação diversos.
A campanha da direita – Sem alternativa ao social-desenvolvimentismo do PT, que detém de fato a bandeira social democrata no país, ao PSDB restou a guinada à direita, o que na candidatura de Aécio Neves ganhou contornos reacionários nítidos: a virulência dos militantes tucanos nas ruas, o machismo do presidenciável nos debates, a defesa da redução da maioridade penal. O apoio de Bolsonaro a Aécio é bem ilustrativo.
O azul e o encarnado – O conservadorismo ganha asas nas sínteses desesperadas de Fernando Henrique Cardoso sobre as eleições brasileiras: o maior reformulador do PSDB alcunha de “desinformado” o cidadão que vota em Dilma Rousseff, em contraposição ao presunçoso ilustrado que vota no tucanato. De tijolo em tijolo, a construção conservadora ganhou corpo. Não é a primeira vez: Após mais uma derrota eleitoral passaram a propor um muro que separe o país em dois lados opostos, o azul e o encarnado.
A “venezualização” da política – A inquietação do PSDB vai além do inconformismo com a derrota. A cúpula do PSDB que não tem funções em nenhum governo (FHC, Alísio Nunes, José Serra e Aécio) aposta na desestabilização do governo. Acusam o PT de “bolivarianismo” e curiosamente importam da Venezuela a postura da oposição que não vence nas urnas: esticam a corda, numa tensão permanente para impedir o governo de governar. O PSDB quer “venezualizar” o Brasil com a tese da ilegitimidade da vitória de Dilma Rousseff.
As forças democráticas precisam reagir. A retomada da iniciativa política pelas forças que ganharam a eleição no segundo turno não pode se resumir às lutas institucionais. A lição está dada. O diálogo anunciado deve avançar para consensos num patamar mais progressista e dos consensos à mobilização social. Sem esquecer nunca e jamais da luta mais geral: a mudança na cultura política.
Quem quer mudar a cultura começa pela autocrítica ao passo que muda os gestos.