O senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB) divulgou artigo em que relata, na ótica de criança, as suas impressões sobre a ditadura militar que neste dia 31 de março completa 50 anos do golpe militar. Cássio aborda o período de cassação do seu pai, o Poeta Ronaldo Cunha Lima, da prefeitura de Campina Grande, semanas após tomar posse, em março de 1969, a necessidade que toda a família teve de sair de Campina Grande e toda a tristeza e danos que aquele momento histórico causou.
Ditadura
Com ditadura, não se brinca! Aprendi desde menino. Ditadura é o comando contrário ao desejo do povo, a quem se deve o Poder, de quem o poder não sai e através de quem o poder tem que ser realizado.
Eu sempre me realizei em casa cheia de gente. Daí, meu afeto por povo! Nasci em eleições e nunca – mas nunca mesmo – deixei os abraços pelos confortos dos gabinetes, tão comuns às ditaduras e a seus gestos. Ditadura é tão ruim, que vicia até a vítima, pelo descrédito na própria força.
Eu era criança, quando meu pai, o Poeta Ronaldo, foi escolhido pelo povo da nossa adorada Campina Grande para conduzir seus destinos na Prefeitura. A eleição foi tão linda quando exigente: o poeta enfrentava um emblema da tradição campinense, mas exibia a renovação e a coragem de enfrentar aquele momento em que o Golpe Militar de 1964 tornava-se ainda mais duro e militarizado.
O poeta venceu!
Na Prefeitura, não passou de alguns dias a esperança do povo.
O Poeta foi cassado com base no Ato Institucional nº 5, editado no final do ano anterior.
Perdeu o povo campinense a indicação e o mandato que outorgara nas eleições! Mas, não apenas o povo! Perdemos também nós: o poeta e a família.
Quando saímos da Campina, porque não podíamos ficar na cidade, sem riscos à vida – inclusive e principalmente social -, deixamos amigos, a rua, o bairro…
Lembro, agora, o campinho do Pé de Jaca, na casa de vovó Nenzinha, onde disputávamos nossas partidas de futebol, imitando a seleção bicampeã do mundo, com os nomes, símbolos e gestos dos jogadores.
Quando saímos da cidade, eu olhei para trás e ainda guardo os rostos de Estélio, do Mago Eduardo, de Henrique Neguin e de Gilbran Asfora. Ainda hoje, eu os vejo cintilando nas lágrimas.
Chegamos ao Rio de Janeiro ainda com lágrimas, com a cultura nordestina, com o sotaque e essas lembranças.
Ainda que a cidade do exílio pudesse ser nossa, Campina foi deixando de ser lembrança e passou a ser objetivo. Mas, tudo a custo de muita discriminação, que superamos com a coragem de quem quer sempre voltar.
Ainda criança, eu aprendi que ditadura não é brincadeira.
Cássio Cunha Lima – Senador