Instituto Butantan iniciou nesta quinta-feira (10), o processo de envase da CoronaVac, uma das vacinas contra a Covid-19, atualmente em fase final de testes. O imunobiológico é produzido em parceria entre o Butantan e a Biofarmacêutica chinesa Sinovac Biotech. Apesar de o Instituto Butantan ainda não ter encaminhado para a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), os resultados finais da última fase de testes, os dados das etapas anteriores que foram apresentados somados a expertise da parceria Sinovac-Butantan, fazem da CoronaVac uma opção altamente promissora. Veja abaixo cinco razões para estarmos otimistas com o início da produção do imunizante.
1) Instituto Butantan e Sinovac Biotech
A primeira razão pela qual devemos ficar otimistas com a CoronaVac está na parceria entre o Butantan e a Sinovac, no grande potencial e histórico das duas. O trabalho do Instituto Butantan já é amplamente conhecido em todo o território nacional, não apenas por conta da produção de diversos outros tipos de vacinas, mas também pela produção de vários tipos de soro, utilizados no tratamento de pessoas vítimas de acidentes com animais peçonhentos (soros antiofídicos e antiescorpiônicos), como também o soro antitetânico.
O Butantan nasce em 1901 com o nome de Instituto Serumtherapico, a partir da necessidade da criação de uma instituição pública capaz de produzir soro antipestoso, em função da epidemia de peste bubônica que assolava o porto de Santos, desde o final do século XIX. A partir de então, o Instituto Butantan vem seguindo os desdobramentos de inúmeras crises sanitárias do Brasil, se dedicando e se consolidando como uma das instituições de pesquisa científica com maior credibilidade do país.
A Sinovac Biotech é um laboratório privado Chinês que traz em seu histórico a criação da primeira vacina inativada contra hepatite A desenvolvida por cientistas chineses, em 1999. Nas últimas duas décadas, a empresa desenvolveu e comercializou seis vacinas para uso humano e uma vacina para animais, alcançando marcos significativos que exemplificam suas principais competências de pesquisa e desenvolvimento, incluindo a primeira vacina H1N1 do mundo em 2009. No currículo da Sinovac também consta o desenvolvimento com sucesso da vacina contra SARS, sendo a primeira empresa global a concluir o ensaio clínico de fase I.
Além disso, a Biofarmacêutica chinesa também teve sucesso na pesquisa e no desenvolvimento de vacina de uso humano contra a influenza H5N1, que foi licenciada em 2008 e é a única vacina H5N1 licenciada para estoque do governo da China. Uma das vacinas mais recentes produzidas pela empresa é a EV71 destinada para prevenção e controle da Doença de Mão, Pé e Boca (Hand, Foot, and Mouth Disease – HFMD) causada pelo EnteroVírus 71 e responsável por uma grave situação epidêmica na China e países vizinhos.
De acordo com o Instituto Butantan, os dirigentes das duas companhias já se conheciam por participarem da Rede de Produtores de Vacinas dos Países em Desenvolvimento e desde de maio trocavam informações técnicas, visto que na empresa chinesa, a CoronaVac já se desenvolvia rapidamente a partir de toda a estrutura já existente e usada para a produção da vacina contra a SARS, provocada por um vírus muito similar ao Sars-CoV-2. O diretor do Butantan disse ao anunciar a parceria entre os dois laboratórios, que a técnica escolhida para a fabricação da CoronaVac, é a mesma já adotada pelo instituto para produzir as vacinas contra a raiva e dengue, podendo então adaptar rapidamente toda a estrutura existente e já utilizada aqui no Brasil.
Além disso, o processo envolve troca de informações e conhecimento entre os pesquisadores dos dois países, o que representa ganho do ponto de vista científico.
O Acordo de Colaboração de Desenvolvimento Clínico entre Sinovac e Butantan especifica que todos os custos com o desenvolvimento da fase 3 de testes, é de responsabilidade da instituição brasileira e que com base no progresso da cooperação, a Sinovac pode autorizar o Instituto Butantan a produzir e distribuir a vacina para outros países da América Latina. Segundo o acordo firmado entre as duas partes, a Sinovac é a detentora de propriedade intelectual, e o Butantan não pode fazer uso desses direitos para fins comerciais e lucrativos sem uma licença da Sinovac para transferência de tecnologia.
Para alguns, os termos do acordo podem parecer mais vantajosos para a empresa chinesa, mas são as regras do jogo, nada além disso. São termos que norteariam qualquer parceria com qualquer laboratório estrangeiro no Brasil, não seria diferente caso a empresa fosse americana, alemã ou francesa, por exemplo. Essa também não seria a única parceria entre o Butantan e a China, uma outra carta de intenções tripartite foi assinada pelo Butantan com a empresa chinesa BravoVax e a norte-americana Exxell BIO para o desenvolvimento de uma vacina pentavalente contra rotavírus. O documento define as bases de um desenvolvimento conjunto do imunizante.
2) Tecnologia de desenvolvimento
O segundo motivo está relacionado com a tecnologia de desenvolvimento da vacina, que se deu a partir do emprego de técnicas já amplamente conhecidas e dominadas por todos os fabricantes de imunobiológicos do mundo, que é a inativação ou atenuação do patógeno, após cultivo e posterior inativação química, preservando porém suas proteínas, que ao serem inoculadas no organismo, desencadeiam a resposta imune, sem que o indivíduo que recebeu a vacina desenvolva os sintomas da doença.
No caso da CoronaVac, o Sars-CoV-2 foi cultivado em células Vero, as células Vero são derivadas do rim do macaco verde africano (Cercopithecus aethiops) e são uma das linhas de células de mamíferos mais comumente usadas em microbiologia e pesquisa em biologia celular e molecular.
Além do vírus inativado, a CoronaVac tem como adjuvante o hidróxido de alumínio, que é bastante comum na fabricação de vacinas em todo o mundo, inclusive nas vacinas do Instituto Butantan. Um adjuvante pode ser um medicamento ou uma substância, que ao ser administrada de forma combinada com outra, reforça ou amplifica a ação dela.
Em tese, o emprego de uma técnica já conhecida e utilizada, além de viabilizar uma produção mais eficiente e com custos mais competitivos (se forem comparados os valores da CoronaVac com o das vacinas de RNAm) do imunobiológico, pode trazer também mais liberdade para que outros cientistas sigam desenvolvendo e evoluindo metodologias revolucionárias, como as das vacinas de terceira geração, ou seja, aquelas em que o material entregue ao paciente não é o agente patogênico atenuado ou morto, mas sim DNA ou RNA contendo o gene que mimetiza uma proteína do antígeno. Sendo assim, quem ganha com essa diversidade é a ciência.
3) Resultados preliminares consistentes
Os primeiros resultados das pesquisas da Sinovac foram publicados na Revista Science no mês de maio deste ano, quando cientistas apresentaram os resultados pré-clínicos de uma vacina candidata precoce chamada PiCoVacc, que protegeu macacos Rhesus contra a infecção por SARS-CoV-2 quando analisada em estudos de curto prazo.
Neste experimento, os pesquisadores obtiveram várias cepas de SARS-CoV-2 de 11 pacientes hospitalizados em todo o mundo e, em seguida, inativaram quimicamente as propriedades prejudiciais do vírus. Os macacos, então, foram imunizados com uma das duas doses da vacina e depois foram expostos ao SARS-CoV-2, que foi introduzido em seus pulmões. Aqueles que receberam a dose mais baixa mostraram sinais de controle da infecção, e aqueles que receberam a dose mais alta pareceram mais protegidos e não tiveram cargas virais detectáveis na faringe ou nos pulmões 7 dias após a infecção. A partir deste resultado, iniciaram-se os testes de segurança e eficácia em humanos.
Em novembro, outra revista científica importante, a The Lancet, trouxe a publicação do artigo Segurança, tolerabilidade e imunogenicidade de uma vacina inativada contra SARS-CoV-2 em adultos saudáveis com idade entre 18 e 59 anos: um ensaio clínico de fase 1/2 randomizado, duplo-cego, controlado por placebo.
Na publicação, os cientistas afirmam que entre 16 de abril e 25 de abril de 2020, 185 indivíduos foram selecionados e 144 participantes foram inscritos no ensaio de fase 1, e entre 3 e 5 de maio de 2020, 662 indivíduos foram selecionados e 600 participantes foram inscritos no ensaio de fase 2. Foi realizado então, um coorte de vacinação *(Estudo de coorte é um tipo de estudo em que o investigador limita-se a observar e analisar a relação existente entre a presença de fatores de riscos ou características e o desenvolvimento de enfermidades, em grupos da população). Os participantes foram divididos em três grupos distintos. O primeiro recebeu uma dose de 3 μg*, (*microgramas, unidade de medida equivalente a milionésima parte do grama, ou 1/1.000.000 g) da vacina, o segundo uma dose de 6 μg e o terceiro recebeu placebo.
Com relação a segurança e tolerabilidade da vacina, tanto os estudos da fase 1 quanto os da fase 2 mostraram que a maioria das reações adversas foram leves (grau 1) em gravidade e os participantes se recuperaram em 48 horas. Nenhum evento adverso sério relacionado à vacina foi observado dentro de 28 dias após a segunda dose da vacina.
Quanto a imunogenicidade, o estudo aponta que após duas doses de vacina, as respostas imunes induzidas pelos dias 0 e 28 do esquema de vacinação foram maiores do que aquelas induzidas pelos dias 0 e 14 do esquema de vacinação, independentemente da dose. No entanto, respostas rápidas de anticorpos podem ser induzidas dentro de um período de tempo relativamente curto, usando um esquema de vacinação do dia 0 e 14, que pode ser adequado para uso de emergência e é de vital importância durante a pandemia de COVID-19. Ou seja, um resultado adequado para resposta rápida e controle do atual estado da pandemia.
Em relação ao esquema de vacinação dos dias 0 e 28, uma resposta de anticorpos mais robusta foi gerada e uma persistência mais longa poderia ser esperada do que com o esquema dos dias 0 e 14, o que apoia o uso de rotina potencial da vacina de acordo com este esquema quando o risco de epidemia de COVID- 19 é baixo. No entanto, a real persistência imunológica dos dois esquemas precisa ser verificada em estudos futuros.
Neste caso, o esquema vacinal implementado durante este período indica um resultado adequado para prevenção da doença, como é feito com as demais vacinas.
A partir daqui entram os estudos que atualmente estão em fase final no Butantan, cujos resultados devem ser conhecidos em breve. Na Indonésia, os teste clínicos conduzidos pela estatal daquele país apontam para um resultado preliminar de eficácia da vacina superior aos 97%.
4) Não altera a cadeia de frio do SUS
Refrigeradores domésticos com termômetros externos ainda são realidade em muitas unidades de saúde pelo país, mas eles não conseguem distribuir a temperatura de maneira uniforme em seu interior, assim sendo, o Ministério da Saúde, desde 2017 recomenda que os municípios substituam os refrigeradores domésticos por câmaras refrigeradas
Imunobiológicos são produtos termolábeis, ou seja, podem se degradar e perder seus efeitos, caso não sejam conservados dentro da faixa de temperatura especificada pelo seu fabricante.
Diferentemente das vacinas de terceira geração, que necessitam de temperaturas extremamente baixas para sua conservação, a CoronaVac pode ser conservada na faixa de temperatura entre +2° e +8°C, essa temperatura é a mesma que conserva todas as vacinas atualmente oferecidas pelo Programa Nacional de Imunizações (PNI) do SUS.
Para oferecer uma vacina de RNAm em todo o território nacional dentro de um plano de imunização, seria necessário toda uma reestruturação da cadeia de frio do SUS, no sentido de adquirir equipamentos e insumos necessários para o transporte e conservação da vacina, e sabemos que quanto mais acessível for uma vacina, do ponto de vista logístico, mais pessoas poderão ser beneficiadas.
A cobertura vacinal oferecida pelo SUS deve ser universal e o acesso deve ser garantido para todos os brasileiros, desde aqueles residentes em grandes centros, como os brasileiros que vivem em comunidades ribeirinhas, isolados, em zonas rurais, em áreas de extrema pobreza, contemplando assim todos os usuários do SUS e não apenas alguns, caso a manutenção do plano de vacina se torne inviável em decorrência de altos custos. Isso não significa que o governo não possa comprar vacinas de terceira geração, mas é preciso ter critérios para não produzir desigualdades no acesso a vacina.
Para entender melhor o processo de logística e como funciona a cadeia de frio do SUS, você pode ler o Manual de Rede de Frio do Ministério da Saúde, a sua versão mais atualizada foi lançada em 2017 e se encontra disponível na internet.
5) Possibilidade de oferecer a CoronaVac para todo o país e América Latina
Com o início do envase da CoronaVac no Brasil, o Instituto Butantan informou que 12 estados formalizaram a solicitação para compra da CoronaVac: Acre, Pará, Maranhão, Roraima, Piauí, Mato Grosso Sul, Espirito Santo, Rio Grande do Norte, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Sul, além de São Paulo.
O preço de cada dose ainda não está definido , mas sabe-se que o preço por dose de vacinas de RNAm, como as da farmacêutica Pfizer são mais caros e demandam infraestrutura logística diferenciada.
A Organização Mundial da Saúde defende que o produto seja oferecido aos países por um preço médio de US$ 10 por dose, cerca de R$ 55. A estimativa de preços da OMS bate com o preço sugerido pela Sinovac que é de R$ 56 por dose, já a vacina da Pfizer tem preço sugerido de R$ 106 por dose de vacina. Ante a necessidade de uma campanha de vacinação massiva em território nacional, parece bastante lógico, que as atenções se voltem para o imunobiológico que ofereça além efetividade, melhor preço e facilidade de distribuição, fatores em que a CoronaVac se destaca.
A mesma ideia se aplica no caso de uma produção no Brasil para compra por países da América Latina, e o acordo entre Sinovac e Butantan, prevê a possibilidade de produção de doses destinadas para a região.
Enquanto esperamos os resultados da fase 3 de testes, fiquemos otimistas e tenhamos razões para nos manter distantes do desserviço e da politização tacanha gerada em torno da CoronaVac. Temos um produto promissor e resultados animadores, não deixemos que isso se perca por conta das críticas infantis a “vacina chinesa que tem nano robôs para dominar a nossa mente” ou porque é a “vacina do João Dória, que quer ser presidente”, estamos falando de inúmeras vitórias da ciência que foram alcançadas até aqui, e parece absurdo que existam pessoas torcendo contra ou menosprezando as possibilidades por conta de uma visão política e ideológica estreita.