Investigado na Operação Lava Jato em um sem-número de inquéritos, suspeito de abocanhar 26 milhões de reais em propina do petrolão e senhor absoluto do aparelhamento na BR Distribuidora, o senador Fernando Collor de Mello, pelo menos até ontem o único presidente impichado na história do Brasil, ocupou a tribuna do Senado tarde da noite nesta quarta-feira para passar um pito na administração Dilma Rousseff, um governo que apontou como adepto de “cooptação” e de um “fisiologismo que envergonham a classe política”.
Alvo de investigações que indicam que vilipendiou por anos a fio empresas ligadas à Petrobras, Collor se arvorou a condenar o silêncio do PT diante dos corruptos do petrolão, fez menções ao escândalo que levou mensaleiros petistas para a cadeia e resumiu: “Chegamos ao ápice de todas as crises”.
Em referência clara ao esquema do mensalão, o primeiro escândalo que se abateu sobre o governo petista, Collor disparou: “Há 11 anos vimos o choro de parlamentares decepcionados com as agruras e a verdade crua de um partido. Hoje, envoltos em tormentos muito piores, não vejo sequer uma lágrima, uma lágrima de constrangimento que seja. Ao contrário: o que se vê é a defesa rouca, cega, mouca e intransigente. Entre retóricas e evidências, entre quimeras e realidades, entre golpe e a farsa do golpe, apesar de tudo e por tudo isso a população brasileira evoluiu na participação política. Mas admitamos que regredimos no agir da política”.
Em seu discurso, o ex-presidente já indicou que deveria votar a favor do impedimento da presidente Dilma, e assim o fez, embora tenha feito críticas à Lei 1079, de 1950, que detalha os crimes de responsabilidade, e a instabilidades políticas decorrentes do presidencialismo. “Nesta quadra de adversidade para uns e tragédia para outros que constatamos que o maior crime de responsabilidade está na irresponsabilidade pelo desleixo com a política, na irresponsabilidade com a deterioração econômica de um país, na irresponsabilidade pelos sucessivos e acachapantes déficits fiscais e orçamentários, na irresponsabilidade pelo aparelhamento desenfreado do Estado, que o torna inchado, arrogante e ineficaz, na irresponsabilidade pela ação ou omissão perante obstruções da justiça. É crime de responsabilidade a mera irresponsabilidade com o país, seja por incompetência, negligência ou má-fé”, disse Collor.
Em boa parte de seu discurso, comparou o próprio impeachment, em 1992, ao processo que vai confirmar o afastamento de Dilma nesta quinta-feira, criticou a velocidade do procedimento contra ele – quatro meses da apresentação da denúncia ao julgamento final -, alfinetou o fato de a presidente petista utilizar a advocacia da União em sua defesa e criticou uma suposta violação ao direito de defesa em seu processo. “O rito é o mesmo, mas o ritmo e rigor não”, resumiu.
O senador também se remeteu à introdução feita por Barbosa Lima Sobrinho no processo de impeachment contra ele, em 1992, e afirmou que o cenário sob a gestão Dilma é uma “confluência clara e entrelaçada” de crises política, econômica, financeira, institucional e – Collor ressaltou – “moral”. “Jamais o Brasil passou como hoje por uma confluência tão clara, tão entrelaçada e aguda de crises na política, na economia, na moralidade e na institucionalidade. Chegamos ao ápice de todas as crises. Chegamos às ruínas de um governo, às ruínas de um país. Este é o motivo pelo qual aqui e agora discutimos possíveis crimes de responsabilidade da presidente da República”, discursou.
Em tom professoral, Collor informou ter aconselhado Dilma em momentos de crise e se colocado à disposição, embora ao final, reclamou, tenha sido solenemente ignorado. “A autossuficiência pairava sob a razão”, reclamou. Trigésimo oitavo senador dos 71 inscritos para discursar no plenário da sessão que analisa a admissibilidade do pedido de impeachment contra Dilma Rousseff, ignorou estrategicamente o fato de ter se aliado ao PT para voltar à proa e atacou: “Não há como recuperar esse modelo de coalizão, de cooptação e fisiologismo que envergonham a classe política”.