Investigado pela Operação Lava Jato, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), desafiou nesta quinta-feira (16), por meio de nota, o ex-consultor da Toyo Setal Júlio Camargo – um dos delatores do esquema de corrupção que atuava na Petrobras – a provar que ele pediu propina de US$ 5 milhões. Segundo Cunha, o delator está sendo obrigado a mentir.
Em depoimento à Justiça Federal do Paraná nesta quinta (veja íntegra em vídeos ao final desta reportagem), Camargo afirmou que foi pressionado por Cunha a pagar US$ 10 milhões em propinas para que um contrato de navios-sonda da Petrobras fosse viabilizado. Do total do suborno, contou o delator, Cunha disse que era “merecedor” de US$ 5 milhões.
Conforme Camargo, além dos US$ 5 milhões diretamente para ele, Cunha exigiu pagamento de propina ao lobista Fernando Soares, conhecido como “Fernando Baiano”, um dos presos da Lava Jato.
“Tivemos um encontro. Deputado Eduardo Cunha, Fernando Soares e eu. […] Deputado Eduardo Cunha é conhecido como uma pessoa agressiva, mas confesso que comigo foi extremamento amistoso, dizendo que ele não tinha nada pessoal contra mim, mas que havia um débito meu com o Fernando do qual ele era merecedor de US$ 5 milhões”, enfatizou.
“E que isso estava atrapalhando, que ele estava em véspera de campanha, se não me engano, era uma campanha municipal… e que ele tinha uma série de compromissos e que eu vinha alongando esse pagamento há bastante tempo e que ele não tinha mais condições de aguardar”, complementou Camargo no depoimento ao juiz federal Sérgio Moro, responsável pela Lava Jato na primeira instância.
No relato à Justiça Federal, o ex-consultor da Toyo Setal afirmou que Eduardo Cunha era sócio oculto de Fernando Baiano.
“O deputado Cunha não aceitou que eu pagasse somente a parte dele. ‘Olha, Júlio, eu não aceito que você faça uma negociação para pagar só a minha parte. Você até pode pagar o Fernando mais dilatado, mas o meu preciso rapidamente. Eu faço questão de você incluir no acordo aquilo que falta pagar ao Fernando’. E aí chegou um SMS: ‘Entre US$ 8 milhões a US$ 10 milhões’, uma coisa assim”, destacou Camargo no depoimento.
O ex-consultor da Toyo Setal afirmou que, sem ter recurso para pagar a propina, Cunha o ameaçou com um requerimento na Câmara, solicitando que os contratos dos navios-sonda fossem enviados ao Ministério de Minas e Energias para avaliação e eventual remessa para o Tribunal de Contas da União (TCU).
Acuado, Camargo disse que procurou o ministro Edison Lobão. “Eu disse a ele: ‘está acontecendo algo desagradável’. Existe um requerimento disso, de uma empresa que eu represento, que eu acho que só traz benefícios para o país, tem trazido dinheiro japonês barato. E a reação dele imediata foi a seguinte: ‘Isso é coisa do Eduardo’”.
Conforme o relato do delator, no mesmo momento, Lobão ligou para Cunha. “Pegou o celular e ligou para o deputado Eduardo Cunha, na minha frente. Disse: ‘Eduardo, estou aqui com o Júlio Camargo, você está louco?’. Não sei qual foi a resposta do deputado, mas ele disse: ‘Você me procure amanhã cedo no meu gabinete em Brasília, que quero conversar com você. Desligou o telefone e disse: ‘Júlio, o que te preocupa nesse requerimento? Existem coisas erradas?’. Falei: ‘Ministro, não tem nada errado'”.
Lobão, detalhou o ex-consultor, garantiu que não havia com o que Camargo se preocupar, que o processo terminaria o mais rápido possível.
Na nota divulgada nesta quinta, Cunha questionou o motivo de o ex-consultor só ter relatado agora que ele teria pedido propina. “O delator [Camargo] já fez vários depoimentos, onde não havia confirmado qualquer fato referente a mim, sendo certo ao menos quatro depoimentos. […] Desminto com veemência as mentiras do delator e o desafio a prová-las”, escreveu o peemedebista no comunicado.
‘Obrigado a mentir’
Em coletiva de imprensa na Câmara, Eduardo Cunha afirmou que o Palácio do Planalto e o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, “podem estar por trás” da acusação feita contra ele por Júlio Camargo. Para Cunha, o delator foi “obrigado a mentir” (assista ao vídeo acima).
“O delator [Camargo] foi obrigado a mentir. E acho muito estranho [a denúncias] ser na véspera do meu pronunciamento [em cadeia de rádio e TV] e na semana em que a parte do Poder Executivo [Polícia Federal], no cumprimento dos mandatos judiciais, tenha agido com aquela fanfarronice toda [no cumprimento dos mandados de busca e apreensão na casa de políticos investigados pela Lava Jato”, disse Eduardo Cunha em entrevista na Câmara.
“Ou seja, há um objetivo claro de constranger o Poder Legislativo, que pode ter o Poder Executivo por trás numa ação com o procurador-geral da República”, acrescentou o presidente da Câmara.
A Procuradoria Geral da República divulgou nota para informar que o depoimento de Júlio Camargo não tem relação com os inquéritos em tramitação no Supremo Tribunal Federal – um dos quais, o de Eduardo Cunha (leia nota ao final desta reportagem).
Júlio Camargo fechou acordo de delação premiada com o Ministério Público Federal (MPF) para repassar informações sobre o esquema de corrupção que desviava dinheiro da Petrobras em troca de eventuais benefícios, em caso de condenação judicial.
A Toyo Setal, empresa para a qual o delator prestava consultoria e que é uma das fornecedoras da Petrobras, é investigada por suspeita de pagar propina para executivos da estatal em troca de contratos.
Em nota, o advogado Nélio Machado, que defende Fernando Baiano no processo da Lava Jato, disse considerar “muito estranho” que um delator “mude a sua versão” dez meses depois de fazer seu primeiro depoimento. Na visão do criminalista, essa suposta mudança de versão “deixa mal a credibilidade do delator, do MPF e do Judiciário, que acreditaram em alguém que muda a sua história ao sabor dos eventos”.