Por Tião Lucena
É engraçado, pai, como eu o deixava sozinho naquela casinha do Geisel, quando o senhor chegava de viagem do interior. Naquele tempo eu achava que, só pelo fato de ir busca-lo na rodoviária e transportá-lo até o lugar de descanso, estava fazendo a melhor coisa do mundo. Pai, confesso de coração aberto, que eu sequer imaginava que o senhor gostaria de conversar comigo, trocar idéias, falar do tempo, das chuvas no sertão,da boa roça que o senhor sempre plantava e outras coisas mais,tão do seu agrado.
Eu não fazia isso e nem sentia que isso lhe fazia falta.Era filho e, como todo filho no vigor da juventude, estava mais preocupado com meu umbigo do que com o jeito de pensar daquele velhinho que se contentava com tão pouco.
E quantas vezes lhe transportei da rodoviária para a casinha do Geisel e vice-versa, sem nunca me lembrar de perguntar se o senhor estava gostando, se sentia falta de alguma coisa, se queria conversar, se estava tudo bem.
Lembro, sim,de uma passagem: certa vez cheguei na casinha e o convidei para dar uma volta. Fomos ao Valentina e voltamos, andamos pouco mais de dez quilômetros naquele fusquinha velho, enferrujado e de pneus carecas, mas guardei na memória aquele sorriso largo,de orelha a orelha, que o senhor ostentou durante todo o trajeto.
Pois foi, pai. O tempo que eu poderia ter aproveitado ao seu lado, gastei na barraca do cajueiro, na bodega da esquina, no bar da praia. O senhor sempre foi a baraúna invencível que não carecia de nadae por isso jamais me preocupei em ficar do seu lado matando o tempo, trocando idéias, falando de nós.
Faz 30 anos, pai, que o senhor se foi. E somente agora, quando tenho quase a mesma idade que o senhor tinha naquele 84 que quero esquecer, vejo-me velho, cansado, com vontade de conversar e sem ter quem me ouça. E anseio pelo seu colo, pelo seu aconchego, pelo seu cheiro de matuto e pelo seu abraço de pai. E misturado a isso peço desculpas por tudo aquilo que a gente deixou de viver, por culpa exclusivamente minha.