O mosquito, diz um ditado, é democrático – pica ricos e pobres. Mas o atual surto do vírus da zika no Brasil revelou uma profunda desigualdade quando se trata de quem arca com a maior parte do fardo de viver entre os insetos.
“Você vê nuvens de mosquitos ao redor das pilhas de lixo aqui no meu bairro”, disse Gleyse da Silva, que mora em uma das regiões mais pobres de Recife, que está no epicentro da epidemia de Zika.
Gleyse contraiu o vírus transmitido por mosquito na gravidez e em outubro deu à luz Maria – uma das mais de 700 crianças nascidas no Brasil com microcefalia, uma malformação cerebral, desde que o surto de zika foi detectado no ano passado.
A doença, altamente suspeita de ter relação com o vírus, retarda o crescimento da cabeça e do cérebro, levando a problemas de desenvolvimento.
A vizinhança superpovoada de Ibura, onde Gleyse mora, não fica longe dos arranha-céus à beira-mar de Recife, mas as condições de vida estão a um mundo de distância.
As ruas do bairro, que abrigam 50 mil pessoas, estão repletas de lixo, e só 10% das casas têm esgoto ou água encanada, o que as torna um terreno fértil para a proliferação dos mosquitos.
“Às vezes a cidade vem coletar o lixo, mas a maior parte do tempo ele simplesmente se acumula”, contou a jovem de 27 anos à Reuters.
O Brasil fez avanços significativos no combate à desigualdade na última década, retirando cerca de 40 milhões de pessoas da pobreza. Mas o surto de zika, detectado pela primeira vez nas Américas em 2015, e a pior recessão em décadas expuseram as limitações do despertar brasileiro já em decadência.
Décadas de urbanização rápida e caótica no país de 205 milhões de habitantes deixaram muitas áreas pobres sem saneamento básico, expondo os pobres a um risco maior de contrair zika e outros vírus transmitidos por mosquitos.
Cerca de 35 milhões de brasileiros não têm água encanada, mais de 100 milhões não têm acesso a esgoto e mais de 8 milhões de habitantes de cidades vivem em áreas sem coleta de lixo regular, de acordo com o censo mais recente, de 2010.
No ano passado, aproximadamente 1,6 milhão de casos de dengue foram relatados, a maior cifra desde que os registros começaram, em 1990. O vírus, disseminado pelo mosquito Aedes aegypti, o mesmo que transmite o zika, mata centenas de pessoas todos os anos.
“A única coisa que irá interromper o ciclo de epidemias será um aumento significativo no investimento e a construção de infraestrutura que forneça saneamento básico”, disse a doutora Vera Magalhães, professora de medicina tropical da Universidade Federal de Pernambuco, em Recife, onde passou três décadas estudando a dengue, e agora o Zika.
“Até que isso aconteça, viveremos com este contraste no Brasil, onde os ricos têm saneamento de primeiro mundo e os pobres vivem nas condições mais precárias que se pode imaginar, o que faz com que sejam de longe os mais vulneráveis a estas doenças.”