DIA DE SÃO JOSÉ

Por Juracy Nunes

Aqui em Monteiro, município localizado no Cariri Paraibano a quinta-feira, 19/03/2015, foi de muita tristeza porque a chuva não veio. O Santo da Chuva atendeu o povo e o Estado de São Paulo.

No meu tempo de menino nascido e vivendo no interior, a crença popular era mais forte do que os escassos ensinamentos técnicos disponíveis à população. A seca e o inverno eram discutidos à luz das “experiências dos mais velhos” com observação acurada do comportamento dos animais, da evolução das plantas, da força do vento e a posição das nuvens no céu.

A esperança da chegada da chuva até o dia de São José era mantida com fé inabalável. Hoje, segundo os meteorologistas a interação entre seca e chuva é influenciada por diversos fatores dos quais vale destacar a diferença de temperatura superficial entre as águas do Atlântico e do Pacífico, o deslocamento da Zona de Convergência Intertropical (ZCIT) entre outras causas. O homem do campo atual tem essas informações, escuta cuidadosamente os boletins meteorológicos, mas não deixa de valorizar um carrego de formiga, o canto da cigarra, o aviso do caboré ou a localização do exu ou enxu de abelhas na várzea ou no terreno de alto. Mesmo com informações técnicas diárias através de vários meios de comunicação, ainda existem resquícios de crença popular transmitida oralmente com alusões a ocorrências de fenômenos naturais.

Há sete anos, em 19 de março de 2008, tivemos uma grande surpresa exatamente no dia de São José. Tudo foi descrito no capítulo 21 do livro do autor SANGRIA DE RISCO, com o título O dia do choque, e assim relatado: “em 20/03/2008 às 8h da manhã ao chegarmos do Sítio Mocó, eu e Lourdinha, recebemos a notícia por telefone: os Açudes da Santa Cruz estão sangrando. Minutos depois nova notícia: havia perigo de arrombamento dos açudes. Tudo isto aconteceu em função de duas noites seguidas de chuvas, num volume aproximado de 100 mm em cada noite, encontrando as represas locais cheias, (açude e barragem) devido às chuvas que vinham ocorrendo desde o mês de fevereiro”.

Fig. 02. Obras de recuperação do Açude Santa Cruz em 2008. O autor é a pessoa de pé sobre a parede de pedras observando o serviço.

Dois anos seguidos de bom inverno (2008 e 2009) fizeram muita gente esquecer a periodicidade das secas. Quem viu o Açude da Santa Cruz em maio de 2009, profetizou “esta água vai durar quatro anos“. Não durou. Em 2012 o açude secou. A evaporação é forte aliada da seca no semiárido. Nos anos de 2010 a 2014, e até o 1º trimestre de 2015, com chuvas abaixo da média, as reservas hídricas se esgotaram. E até mesmo o estado mais rico do Brasil chorou feito nordestino e aprendeu a tomar banho de cuia para surpresa dos de lá, e, dos de cá.

Uma longa estiagem é semelhante a uma doença crônica. Destrói pouco a pouco as reservas naturais, e, o prejuízo alcança toda biodiversidade da região acometida pela seca. Nesta seca que se arrasta por tanto tempo as consequências são diferentes de outras que presenciamos no século passado no Cariri Paraibano. Na grande seca de 1942, o clamor era por falta de água e alimento para a população. Via-se no sertão e no agreste de toda região semiárida, gente pedindo esmola, leva de retirantes sem destino, saques, campos de concentração para prender migrantes do interior, frentes de emergência, pau de arara deixando o Nordeste em busca de sobrevivência. Pouco se falava de mortandade animal, embora as perdas por parte dos criadores fossem maiores do que hoje.

No presente, até parece que a população está excluída da adversidade climática. Vemos alguns carros-pipa rodando pelos sítios, pequenas filas de agricultores comprando milho da CONAB. Ademais só o lamento do povo ante o sol escaldante e admirado com as notícias de seca também até mesmo em São Paulo. Diferente do passado, não se fala em êxodo do nordestino, nem de menino morrendo a míngua por desidratação e diarreia. A mídia dedica grandes espaços aos cemitérios de animais mortos de fome.

A seca atual é duradoura e severa, chega até ao litoral e se faz presente em vários Estados da União. Mas o clamor de homens e mulheres do semiárido é menor do que aquele doutrora. O sertanejo se acostumou a conviver com sofrimento ou está sendo mais bem atendido em suas necessidades básicas? A segunda hipótese parece ser a resposta correta.

As ações de combate ao flagelo das secas começaram nas primeiras décadas do século passado com a criação do DNOCS e ganharam força com O GTDN – Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste – montado em 1958 por Juscelino Kubitschek dentro do BNDE (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico). Este programa foi concluído por Celso Furtado, culminando na OPERAÇÃO NORDESTE e, consequentemente, com criação da SUDENE. Esta, logo que entrou em operação, abriu centenas de poços artesianos pelo sertão adentro retirando a água através de cata-ventos, melhorando efetivamente a qualidade de vida da população. Uma conquista técnica bem simples, que proliferou e ainda hoje é utilizada em toda regerão do polígono das secas.

Governos passados fizeram chegar até homens e mulheres do campo os benefícios da Previdência Social. Já nos últimos anos o Programa Bolsa Família e outras ações de inclusão social têm aumentado à renda familiar deixando a população mais resistente às intempéries.

Outras causas têm contribuído para facilitar a convivência com as estiagens. A queda da natalidade, melhores salários no campo e na cidade, diminuição da taxa de analfabetismo, aumento da quantidade e qualidade de escolas, assistência à saúde, são conquistas que embora com centenas de anos de atraso estejam sendo incorporadas à vida da população no interior do país. Os investimentos em infraestrutura rural criando estradas, açudagem, utilização em larga escala de água do subsolo, eletrificação rural, construção de cisternas e emprego urbano para população jovem, especialmente no setor de serviços, são outras vertentes do desenvolvimento que favorecem a manutenção da emblemática expressão euclidiana “o sertanejo é antes de tudo um forte”. Pode-se dizer que a despeito das intempéries, o sertanejo está vivendo melhor, aprendendo a conviver com a seca sem mendigar nem dela fugir.

Juracy Nunes é médico e pequeno produtor rural em Monteiro/PB
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