“Dividindo as almas do cemitério” – A passagem pelo cemitério era o caminho diário de Zezito Pustema. De manhã, quando saía do sítio Maxixe em direção à rua para beber cachaça e quando o sol se punha, retornando morto de bêbado, após um dia inteiro de visitas às bodegas do Cruzeiro.
Naquela tarde não seria diferente caso seus ouvidos não tivessem captado aquela conversa doida do outro lado do muro do cemitério. O barulho de vozes chamou sua atenção e, ao encostar os ouvidos no muro, escutou bem direitinho:
-Uma pra mim, um pra você…
-Um pra mim, um pra você…
Deu uma meia volta tão depressa que não se notava qualquer vestígio de bebida no seu proceder. Correu com as canelas batendo na bunda para a Delegacia e, chegando lá, chamou pelo Cabo Dudu e alarmou:
-Corra, cabo, que Jesus tá junto com o diabo dividindo as almas!
Zezito não sabia, Cabo Dudu muito menos, que minutos antes João Fiusca e Teté Passarinho haviam pulado o muro do cemitério atraídos pela safra do abacateiro nascido entre as covas do Coronel Zé Pereira e do Véi Mano, dois inimigos ferrenhos que, depois de mortos, foram morar juntos. Pois o abacateiro nasceu entre os dois, cresceu, ficou frondoso e todo ano botava uma safra enorme.
Os dois amigos, carentes de dinheiro para comprar cachaça, foram ao cemitério colher os abacates e, após subirem na árvore com as sacolas penduradas, começaram a dividir:
-Um pra mim, um pra você…
-Um pra mim, um pra você…
-Você deixou cair dois do lado de fora do muro! -, reclamou João Fiusca, ao que Teté, colhendo mais abacates, respondeu:
-Não tem problema, depois que a gente terminar aqui, pega os outros dois.
-Então tá bom, mais um pra mim, um pra você.
Cabo Dudu, que dava o seu tradicional cochilo, mandou Pustema calar a boca.
– Juro que é verdade, vem comigo.
O cabo, movido pela curiosidade, saiu atrás de Zezito e, ao chegarem perto do muro, começaram a escutar…
– Um para mim, um para você…
O guarda assustado:
– É verdade! É o dia do apocalipse!
-Eles estão dividindo as almas dos mortos! O que será que vem depois?
Curiosos, ouviram mais:
– Um para mim, um para você. Pronto, acabamos aqui. E agora?
– Agora a gente vai lá fora e pega os dois que estão do outro lado do muro…
Não deu pra quem quis. Cabo Dudu, botando sebo nas canelas, gritou um -Cooooooooooooooorrre!!!!pra Zezito Pustema e sumiu na capoeira, sendo encontrado cinco dias depois pendurado numa pedra lá pras bandas de Piancó.