Por Zizo Mamede
Imagine uma situação fictícia: Uma grande empresa de comunicação, uma multinacional, manda emissários para marcar uma audiência com um deputado federal. Reticente, o parlamentar quer saber antecipadamente qual seria a pauta da audiência, mas os emissários falam de generalidades do tipo “é sobre assunto muito importante e de interesse do país”.
O deputado dá uma desculpa e evita a audiência solicitada, alegando a sobrecarga de trabalho. Mas, novos emissários da multinacional retomam os contatos com o parlamentar, desta vez a alguns meses do processo eleitoral e insistem na agenda da audiência sobre o tal “assunto de interesse nacional”. O deputado por fim marca a audiência.
As cartas na mesa: Um dos representantes da empresa de comunicação, sem arrodeio, faz a proposta: a empresa se propõe a bancar as despesas da campanha do parlamentar à reeleição. Na mesma ocasião, o generoso representante da multinacional revela que estão investindo em candidatos à Câmara Federal e ao Senado, independentemente de que partidos estejam filiados, para eleger a bancada de parlamentares que defenderá os interesses do setor de comunicação no Congresso Nacional. – Toda essa história, até aqui, não passa de mera ficção!
Que tal uma história da política real?
O jornal Le Monde Diplomatique Brasil, na edição deste mês de abril, reporta-se à celeuma acerca do financiamento de campanhas eleitorais com doações de empresas, citando que no Congresso Nacional, mais de 60% dos parlamentares foram eleitos com grandes doações de um reduzido número de grandes empresas. É desnecessário indagar quem esses parlamentares representam da sociedade brasileira tão repleta de desigualdades econômicas e sociais.
Entretanto, é importante lembrar que essa maioria de mais de 60% de deputados, que representam os interesses dos seus respectivos financiadores, foram eleitos pela maior parte dos eleitores e eleitoras que compareceram às urnas nas últimas eleições nacionais.
Uma rede hierarquizada de financiadores e negociadores de votos opera com desenvoltura e sem pudor para capturar os parlamentos a cada eleição. A rede montada pelo poder econômico para “fazer” o resultado das eleições é como uma pirâmide que tem no topo os grandes patrocinadores das campanhas. Abaixo destes, os seus lacaios imediatos, parlamentares eleitos na base do dinheiro vultoso. Degraus mais abaixo operam os mandatários locais, mais próximos dos cabos eleitorais, que sabem convencer um grande número de eleitores e eleitoras.
A minoria dos parlamentares que não tem apoio dos grandes empresários e são eleitos com o chamado “voto de opinião” gastam bem menos, mas gastam e, invariavelmente, ficam endividados durante todo o mandato.
O fato é que, logo após as eleições, a maioria dos eleitores e eleitoras sequer se lembra em que deputado ou senador votaram. Eleição vai, eleição vem, o povo fica bonito quando vai ás ruas protestar, mas a grande agenda de reformas para fazer o Brasil avançar fica empacada no Congresso Nacional.
A maioria do parlamento não quer nem saber das reformas que o Brasil precisa: Reforma Política para qualificar a representação política; Reforma Tributária para acabar a sonegação, enfrentar a Dívida Pública interna e promover justiça tributária com distribuição de renda; Regulamentação da mídia para democratizar os meios de comunicação como rádio e TV; Reforma do Poder Judiciário para que a justiça seja acessível a todos; Reforma das polícias e do sistema penitenciário para outro paradigma no combate à violência; descriminalização das drogas para o efetivo combate ao tráfico e tratamento aos drogados.
Enquanto isso, a real política e a ficção se imitam mutuamente.