Na primeira sessão no Supremo Tribunal Federal (STF) após o Senado aprovar a proposta de emenda à Constituição que limita as decisões monocráticas dos ministros, o decano, ministro Gilmar Mendes, afirmou que a Corte “não haverá de submeter-se ao tacão autoritário – venha de onde ele vier, ainda que escamoteado pela representação de maiorias eventuais”. Leia a íntegra do discurso.
Em um discurso contundente, Mendes frisou que a separação dos Poderes é cláusula pétrea, portanto não pode ser objeto de PEC, e que qualquer atitude do Legislativo a qual a enfraqueça atenta contra a Constituição.
Para Mendes, a mudança não possui nenhuma justificativa plausível, em vista das alterações regimentais feitas na gestão da ministra Rosa Weber. Hoje, pelas regras internas do Tribunal, decisões monocráticas já devem ser levadas ao colegiado em caso de urgência.
“É preciso altivez para rechaçar esse tipo de ameaça de maneira muito clara. Essa Casa não é composta por covardes. Essa Casa não é composta por medrosos”, declarou Mendes. “Esse Supremo Tribunal Federal não admite intimidações.”
Na avaliação dele, “causa perplexidade” que o texto aprovado tenha sido cirúrgico ao proibir decisões monocráticas no curso de ações que questionem políticas públicas – como facilitação do acesso a armas de fogo pela população ou desmonte de políticas ambientais, mas não tenha previsto idêntica vedação para ações constitucionais que são usualmente manejadas no interesse de agentes políticos investigados em procedimentos criminais.
“Curiosamente, a PEC não impede decisões monocráticas em habeas corpus, mecanismo muitas vezes utilizado pela defesa de agentes políticos que, ontem mesmo, se articularam para restringir as competências da Corte Constitucional.”
O ministro destacou que o STF “não se curvou à ditadura militar nas quase três décadas de escuridão que mancham a história nacional; este Tribunal, num passado recentíssimo, ainda presente entre nós por força da memória dos mais de setecentos mil mortos na pandemia da Covid, não sucumbiu ao populismo iliberal responsável pelo trágico 8 de janeiro”.
O ministro também afirmou que “sem uma Corte Constitucional livre e independente, não há democracia nos termos exigidos pela Constituição de 1988”. Ele mencionou ainda que “os autores desta empreitada começaram-na travestidos de estadistas presuntivos, e a encerram, melancolicamente, como inequívocos pigmeus morais”.