Por Zelito Nunes
Inácio Jacaré era um matutinho pequeno, com cabeça grande de cearense e uma sagacidade fora do comum, principalmente para negócios. Nasceu no Boi Velho, que era município de Monteiro na época. Seu ofício principal era o de boiadeiro, mas se a ocasião exigisse, vendia vermelho em velório e picolé no Pólo Norte.
Inácio não deixava, por nenhuma hipótese, um negócio se estragar, principalmente se dependesse de uma boa conversa. Comprava e vendia bois e cavalos e, de vez em quando, se a situação permitisse, pagava aos credores, mas fazia qualquer coisa para abrigar um amigo ou outro qualquer necessitado no seu imenso coração.
Naqueles confins por onde andava, corria também, de boca em boca, a sua fama e todos gostavam de conversar com ele. Pode-se dizer que era um homem sem abuso nenhum.
Como já estava se achando velho, pensava que era vergonha uma pessoa instruída como ele não conhecer a cidade de São Paulo.
Resolveu ir até lá. Comprou passagem, pegou um “Batalhão” e foi-se embora à procura de
um filho que lá vivia, sem levar endereço, achando que não seria difícil encontrá-lo.
Chegando na estação rodoviária do Tietê, não se assombrou nem um pouco, procurou saber de uns motoristas de táxi, que disputavam a corrida, já brigando pra ver quem segurava a sua velha maleta, onde morava o rapaz.
– Pra onde vai, senhor?
– Quero que você me deixe na casa de Inacinho.
– O senhor tá doido? Isso aqui é São Paulo! Quem diabo é Inacinho?
– Mais era só o que faltava, todo mundo conhece Inacinho aqui em São Paulo, num vai dizer que tu não conhece? Ele “trabaia” com negócio de carro e mora perto de Mastruz, aquele que gostava de trocar tiro com os filhos de Juvená Mago, lá no Boi Véi! (Referia-se a um cabra que teve umas malquerenças no Boi Velho e entrou no “oco do mundo”.)
No meio desse impasse, surgiu, milagrosamente, outro Severininho e perguntou:
– É Inácio de tal?
– É esse mesmo!
– Pois ele trabalha aqui, bem pertinho!
E trabalhava mesmo.
O motorista de táxi ainda ouviu a pilhéria:
– Tais vendo aí seu besta?!
Antes de voltar, passeando pela famosa Zé Paulino, seus olhos matreiros enxergaram, num tabuleiro, uma oportunidade de ganhar uns bons trocados quando de volta para o Norte.
Uma partida de sutiãs vendidos à preço de banana que ele comprou sem pestanejar, de olho no lucro fácil.
Só que, talvez por não ser um utensílio do seu uso, não percebeu que eram todos num padrão bastante exagerado, fabricado talvez pra alemãs ou holandesas, jamais para aquelas severininhas, chochinhas, da sua terra.
Voltou. E chegando numa feira em Tuparetama, esparramou a mercadoria numa lona no meio da rua e esperou pela clientela que não demorou muito a chegar:
– Seu “Zé”, pra quanto é esse bicho?
– Isso tá barato demais, era dez, mas eu tô fazendo tudo a cinco!
As mulheres pegavam os sutiãs, botavam mais ou menos no “lugar” e sobrava pano que
dava para fazer mais uma volta no corpo.
– Ah, seu Zé, esse negócio é grande demais, não dá pra nós não. O senhor não tem outros mais pequenos não?
Inácio, já inteirado do tremendo fiasco, tentava emendar:
– Mas tá quaje de graça; vocês leva e chega em casa e bota uns “carços”, que vai dar certim!