À espera há anos, 61 famílias removidas compulsoriamente dos seus territórios para dar passagem às obras do Projeto de Integração do São Francisco (Pisf) e reassentadas na Vila Produtiva Rural Lafayette, em Monteiro, no Cariri paraibano, não podem produzir alimentos e algodão porque os lotes irrigados previstos no projeto ainda não foram entregues.
Inaugurada em 1º de dezembro de 2015, a vila foi criada com o objetivo de compensar a população atingida pela obra da transposição. No entanto, sem o devido abastecimento de água, as famílias, em sua maioria agricultores, não conseguem produzir e continuam vivendo de benefício do governo federal.
Em nova visita realizada pelo Ministério Público Federal (MPF) na vila, nessa terça-feira (17), foi constatado que, o que já deveria ter sido entregue oficialmente pelo Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR), há vários anos, ainda encontra-se sem efetivo funcionamento, não garantindo assim autonomia, renda e dignidade aos moradores do local. Segundo a procuradora da República Janaina Andrade, o sistema de irrigação está pronto, com a casa de máquinas funcionando, porém ainda sem plantio por parte dos agricultores, que alegam esperar uma sinalização do Ministério com os devidos treinamentos.
“É preciso entender que 61 famílias, que não tinham qualquer intenção de se deslocar dos seus espaços de vida, foram removidas para uma outra área, tirando autonomia produtiva, mudando seus modos próprios de vida”, observou Janaina Andrade, que já afirmou que buscará novas providências junto ao MIDR.
De acordo com representante da Associação Comunitária da Vila Produtiva Rural Lafayette, apesar de o MIDR ter visitado a vila no final de novembro passado e dado algumas orientações às famílias, ainda existem dúvidas com relação aos tipos de irrigação e critérios de plantios.
Durante a visita desta terça, foi informado ao MPF que o consórcio formado pelas construtoras Rocha Cavalcante, Heca e TPF chegou a fazer corte de terra, mas, segundo alguns moradores, de forma inadequada. A preocupação agora é que, com a possibilidade de chuvas, o trabalho do corte seja perdido, com o crescimento de mato no local, já que ainda não há previsão para início de plantio.
Outra informação dada por integrantes da associação foi o fato de alguns lotes terem sido cercados de forma errada. Segundo eles, o consórcio de empresas está medindo novamente os lotes com os erros detectados.
Custos e comissionamento – Outra preocupação dos representantes da associação é o custo da conta de energia, a partir da entrega oficial dos lotes, que ficam localizados em terrenos anexos da própria vila. Alguns informaram que os agricultores da vila não têm como iniciar o plantio porque não houve uma fase de comissionamento (processo que assegura que a instalação está completa e funcionando corretamente) adequada, nem existe assistência técnica capaz de dar suporte aos produtores.
Os agricultores defenderam que a conta de energia só seja cobrada a partir do momento que tiverem lucro com a colheita. “Precisamos de um tempo para nos estabelecer. Quando entregarem oficialmente a obra, as ajudas de custo que as famílias recebem serão cortadas, então por que não pegar esse recurso e pagar pelo menos os primeiros meses da conta de energia?”, propôs um agricultor.
Segundo informações, cada uma das 61 famílias recebe um salário mínimo do governo federal, até que os lotes irrigados sejam oficialmente entregues.
Promessa descumprida – Em fevereiro de 2024, em reunião na vila com a presença da procuradora da República Janaina Andrade, um representante do Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional reforçou, junto com a empresa executora, que em 28 de março de 2024 seria realizada a entrega da obra, dando início à fase de comissionamento, quando os beneficiários começariam a ser treinados em irrigação por até cinco meses.
O MIDR confirmou ainda que, após treinamentos, em 11 de julho, haveria a entrega formal dos 61 lotes irrigados aos comunitários da vila. Já o representante da construtora informou aos presentes que eventuais inadequações ou reparos a serem feitos seriam efetivados no período de comissionamento. Na placa existente na entrada da vila, a data prevista para o término da obra é 4 de abril de 2024.
Naquela ocasião, Janaina Andrade frisou que não se questiona a importância do Pisf, mas entende que “o dano à bacia doadora, no aspecto do meio ambiente natural e social, e o elevado dispêndio de recursos públicos exigem que o MPF atue de forma a buscar dos atores responsáveis adoção de ações para a efetividade do projeto, no presente recorte, a garantia de dignidade aos reassentados”. E complementou: “Uma vila produtiva sem água para produção não é mero erro semântico, é prolongar um processo traumático de remoção forçada de dezenas de famílias”.
COP 16 – A procuradora ressalta ainda que a Conferência das Nações Unidas sobre Biodiversidade (COP 16), realizada recentemente, rememorou a aprovação do Marco Estratégico para o período de 2018-2030, buscando alcançar os objetivos da Convenção e da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável (ODS) 15 e a meta 15.3: “até 2030, combater a desertificação, restaurar terras e solos degradados, incluindo terras afetadas pela desertificação, secas e inundações, e lutar para alcançar um mundo neutro em termos de degradação da terra”. Dessa forma, o MPF reitera o seu papel institucional de cobrar do Poder Público medidas.
O que prevê o projeto – O Programa de Reassentamento das Populações é um dos 38 programas que integram o Projeto Básico Ambiental do Projeto de Integração do Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional (Pisf), executado pelo Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional. Foi criado com o objetivo de reassentar as famílias afetadas pelo empreendimento em uma nova base produtiva que permita o desenvolvimento social e econômico em situação, no mínimo, similar à situação anterior das famílias.