Depois de ter prestado depoimento por quase quatro horas no último dia 4 no processo que o envolve no escândalo do petrolão, o ex-presidente Lula fez praticamente um comício para a militância, desqualificou as autoridades e desafiou os investigadores da Lava Jato com o novo bordão: “a jararaca está viva”. Como tem feito desde que ascendeu à Presidência da República, ironiza o que considera privilégios das elites e ataca meios de comunicação. Mas como prova de que o discurso do petista nem sempre tem consistência com a realidade, o petista reclamou diretamente para o empreiteiro Leo Pinheiro, da construtora OAS, sobre a suposta simplicidade do imóvel e comparou o apartamento de luxo a uma unidade habitacional do programa popular Minha Casa Minha Vida.
Conforme revelou VEJA, o refúgio da família Lula da Silva no Guarujá é um tríplex de 297 metros quadrados, três quartos, suíte, cinco banheiros, dependência de empregada, sala de estar, sala de TV e área de festas com sauna e piscina na cobertura. Segundo as investigações da Lava Jato, por ordem de Lula, o imóvel foi amplamente reformado, com a instalação de um elevador privativo, porcelanato e acabamento de gesso refeitos, planta interna modificada e tudo bancado pela OAS.
Na versão apresentada pelo petista à Polícia Federal, a configuração inicial do tríplex não era o suficiente para abrigar a esposa e os filhos. A reclamação sobre as instalações foi direcionada ao amigo Leo Pinheiro. “Quando eu fui a primeira vez, eu disse ao Leo que o prédio era inadequado porque além de ser pequeno, um tríplex de 215 metros é um tríplex ‘Minha Casa, Minha Vida’, era pequeno”, relatou o ex-presidente.
“Isso é bom ou é ruim?”, questiona o delegado Luciano Flores de Lima. A resposta de Lula: “Era muito pequeno, os quartos, era a escada muito, muito… Eu falei ‘Leo, é inadequado, para um velho como eu, é inadequado.” Na sequência, o petista disse que o empreiteiro Leo Pinheiro se comprometeu a “pensar um projeto” para agradar o amigo.
Em janeiro, a Operação Lava Jato deflagrou a fase batizada de Triplo X e anunciou fazer uma varredura em todos os apartamentos do condomínio Solaris, no Guarujá, onde a empreiteira OAS, investigada por participar do petrolão, assumiu a construção dos imóveis após um calote da Bancoop, a Cooperativa Habitacional dos Bancários de São Paulo. A cooperativa deu calote em seus associados enquanto desviava recursos para os cofres do PT, quebrou em 2006 e deixou quase 3 000 famílias sem seus imóveis, enquanto petistas graúdos, como o ex-presidente Lula, receberam seus apartamentos.
A Polícia Federal lista como objeto de possíveis irregularidades “manobras financeiras e comerciais complexas envolvendo a empreiteira OAS, a cooperativa Bancoop e pessoas vinculadas a esta última e ao Partido dos Trabalhadores” e diz que “unidades do condomínio Solaris, localizado na Av. Gal. Monteiro de Barros, 638, em Guarujá-SP, podem ter sido repassadas a título de propina pela OAS em troca de benesses junto aos contratos da Petrobras”.
Publicamente Lula nega ser o proprietário do tríplex no edifício Solaris, no Guarujá, embora os investigadores da Lava Jato não tenham dúvida quanto à titularidade do apartamento. Desta vez, no depoimento prestado em 4 de março, ele apresentou mais uma explicação esdrúxula sobre o motivo de supostamente ter desistido de quitar o bem – a ex-primeira-dama Marisa Letícia é dona de cotas de um apartamento no mesmo edifício. “Uma das razões é porque eu cheguei à conclusão que seria inútil pra mim um apartamento na praia, eu só poderia frequentar a praia Dia de Finados, se tivesse chovendo. Então eu tomei a decisão de não ficar com o apartamento”, disse Lula.
O ex-petista chegou a classificar as suspeitas envolvendo o apartamento no Guarujá a uma “sacanagem homérica”. “Eu acho que eu estou participando do caso mais complicado da história jurídica do Brasil, porque tenho um apartamento que não é meu, eu não paguei. (…) A Polícia Federal inventa a história do tríplex que foi uma sacanagem homérica, inventa história de tríplex, inventa a história de uma offshore do Panamá que veio pra cá, que tinha vendido o prédio, toda uma história pra tentar me ligar à Lava Jato, toda uma história pra me ligar à Lava Jato, porque foi essa a história do triplex”, afirmou o petista no depoimento.