O ministro Luiz Fux, do STF (Supremo Tribunal Federal), suspendeu nesta quarta-feira (22), sem prazo definido, a implantação do juiz das garantias, nova figura criada pelo pacote anticrime aprovado no Congresso e sancionado em dezembro pelo presidente Jair Bolsonaro. A decisão vale até que o plenário analise o tema —não há prazo para que isso aconteça.
Fux revogou decisão do presidente da corte, ministro Dias Toffoli, que no último dia 15 adiou a implementação do juiz das garantias por seis meses (180 dias). Pela decisão anterior, a nova figura entraria em vigor em julho —a lei previa originalmente que fosse nesta quinta-feira (23), prazo considerado exíguo para o Judiciário se adaptar.
Além de prorrogar o prazo de efetivação do juiz das garantias, a decisão de Toffoli criava parâmetros para sua implementação —agora também revogados.
Fux tomou a nova decisão depois que substituiu Toffoli no plantão do Supremo, que está em recesso. O ministro é o relator de quatro ações ajuizadas por entidades da magistratura e partidos políticos que questionam a constitucionalidade do juiz das garantias.
Para rever a decisão de Toffoli, Fux afirmou que, apesar de a lei ter sido aprovada pelo Congresso e sancionada por Bolsonaro, o Judiciário ainda precisa analisar a fundo sua constitucionalidade, o que deve ser feito por meio de decisão colegiada, e não individual.
“Imbuído de todas as vênias possíveis ao presidente deste tribunal, que louvadamente se dedicou a equacionar as complexas questões constitucionais destas ações durante o exercício do plantão judiciário, entendo, na qualidade de relator, que a decisão de Sua Excelência merece ser pontualmente ajustada, com vistas a resguardar a reversibilidade da medida cautelar e prestigiar a deliberação de mérito a ser realizada oportunamente pelo plenário”, escreveu Fux.
Pela nova lei, o juiz das garantias será responsável por acompanhar os inquéritos, analisando pedidos de quebra de sigilo e de prisão provisória, por exemplo, até o recebimento da denúncia. Esse juiz não poderá atuar na fase posterior, da ação penal.
Assim, os processos criminais ficarão sob a responsabilidade de dois juízes, um que vai supervisionar a investigação (o juiz das garantias) e outro que vai julgar o acusado (o juiz de instrução e julgamento). Defensores da criação da nova figura afirmam que ela ajudará a assegurar a imparcialidade das decisões do Judiciário.
Como Fux é o relator do caso, o assunto entrará na pauta do plenário do STF somente quando o ministro decidir apresentar suas considerações. No caso do auxílio-moradia recebido por juízes, Fux concedeu liminares (decisões provisórias) em 2014, e só tomou uma decisão definitiva, revogando-as, em 2018, após o então presidente Michel Temer sancionar reajuste salarial de 16,38% para o Judiciário.
O ministro da Justiça, Sergio Moro, elogiou a decisão de Fux. “Sempre disse que era, com todo respeito, contra a introdução do juiz de garantias no projeto anticrime. Cumpre, portanto, elogiar a decisão do Min Fux suspendendo, no ponto, a Lei 13.964/2019. Não se trata simplesmente de ser contra ou a favor do juiz de garantias”, escreveu Moro em rede social.
“Uma mudança estrutural da Justiça brasileira demanda grande estudo e reflexão. Não pode ser feita de inopino. Complicado ainda exigir que o Judiciário corrija omissões ou imperfeições de texto recém aprovado, como se fosse legislador positivo”, completou o ministro da Justiça e ex-juiz da Lava Jato.
Em nota, a AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) também saudou a decisão de Fux. “Essa é mais uma demonstração de que a magistratura brasileira é imparcial e que a Constituição e a lei atual já asseguram a isenção dos julgamentos”, afirma o texto assinado pela presidente da entidade, Renata Gil.
Diferentemente de Toffoli, que já havia considerado o juiz das garantias constitucional, Fux entendeu que a mudança pretendida com a criação da nova figura invade o campo de atuação dos tribunais nos estados, o que não pode ser feito por meio de lei federal.
“Entendo que […] a criação do juiz das garantias não apenas reforma, mas refunda o processo penal brasileiro e altera direta e estruturalmente o funcionamento de qualquer unidade judiciária criminal do país. Nesse ponto, os dispositivos [da lei] questionados têm natureza materialmente híbrida, sendo simultaneamente norma geral processual [de atribuição federal] e norma de organização judiciária”, escreveu Fux.
O ministro afirmou que, hipoteticamente, se a lei entrasse em vigor no prazo, poderia gerar um colapso na Justiça criminal do país, com a redistribuição dos processos de um juiz para outro, por exemplo.
“Essas questões práticas ganham outra dimensão quando se verificam realidades locais, relativamente à ausência de magistrados em diversas comarcas do país, o déficit de digitalização dos processos ou de conexão adequada de internet em vários Estados, as dificuldades de deslocamento de juízes e servidores entre comarcas que dispõem de apenas um único magistrado, entre outras inúmeras situações”, disse.
Para o ministro, a aprovação do juiz das garantias no Congresso não teve a participação de todos os entes interessados e “abreviou indevidamente uma discussão legislativa que deveria ter tomado amplitudes equivalentes aos seus impactos”.
“Observo que se deixaram lacunas tão consideráveis na legislação, que o próprio Poder Judiciário sequer sabe como as novas medidas deverão ser adequadamente implementadas. O resultado prático dessas violações constitucionais é lamentável, mas clarividente: transfere-se indevidamente ao Poder Judiciário as tarefas que deveriam ter sido cumpridas na seara legislativa”, afirmou.
Fux também rebate o argumento de que a existência do juiz das garantias contribuirá para garantir a imparcialidade das decisões dos juízes de julgamento.
“A existência de estudos empíricos que afirmam que seres humanos desenvolvem vieses em seus processos decisórios não autoriza a presunção generalizada de que qualquer juiz criminal do país tem tendências comportamentais típicas de favorecimento à acusação. Mais ainda, também não se pode inferir, a partir desse dado científico geral, que a estratégia institucional mais eficiente para minimizar eventuais vieses cognitivos de juízes criminais seja repartir as funções entre o juiz das garantias e o juiz da instrução”, disse.
Além do juiz das garantias, Fux suspendeu a entrada em vigor de outros dispositivos do pacote anticrime até que o plenário do Supremo os analise.
O primeiro deles é o que altera o artigo 157 do Código de Processo Penal para prever que um juiz ciente de prova considerada inadmissível não pode dar a sentença; o segundo trata de alteração de procedimento para arquivamento de inquérito policial; e o terceiro é o que libera da prisão o suspeito que não passar por audiência de custódia em um prazo de 24 horas.