Por Zelito Nunes
Moravam entre o céu e a terra, um perto da Prata e o outro perto de Ouro Velho, no Cariri paraibano. Eram compadres, bons companheiros e tinham um ponto em comum: detestavam tudo o que lhes parecesse trabalho. Nunca deram um dia de serviço pra homem nenhum e viviam debaixo das graças da divina providência.
Os meses de março e abril pra eles era uma tortura, pois era o tempo em que chegavam alvissareiras, as primeiras chuvas do inverno no sertão e isso representava trabalho.
E, como trabalho, não era com eles, sempre se encontravam pra boas conversas, geralmente à boquinha da noite, pra não pegar mormaço. Era no alpendre da casa de Moisés que se sentavam num banco de aroeira e a conversa entrava noite à dentro sem pressa pra acabar.
– Cumpade João, aquilo é “relampo” ou vagalume?
– É vagalume cumpade, pode ficar sossegado.
– E esses “pipoco” é trovão?
– É não cumpade: é foguetão; deve ter nascido menino por aí.
Quando finalmente chegava o imponderável inverno, o velho Moisés mandava chamar o compadre, selavam os burrinhos e iam pras bandas do Pajeú, pra casa de parentes, onde não tinham a menor das obrigações.
Passado o inverno, era grande a curiosidade dos dois quando encontravam alguém que chegasse do lugar onde estavam:
– E aí, já quebraram o milho todo?
– Já apanharam a safra de algodão?
Só depois que obtinham todas essas respostas, é que retornavam felizes ao Velho Cariri.
Moisés Mariano morreu com 98 anos e João Salvador com 97.
Afinal, pra que “tanta lida pra tão pouca vida”?