O Ministério Público Federal (MPF) em Monteiro, no Cariri paraibano, ajuizou ação de improbidade administrativa contra a atual prefeita do Município de Livramento (PB), Carmelita Estevão Ventura Sousa, por desvio de verba do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). A fraude ocorreu na compra de gêneros alimentícios diretamente da agricultura familiar. O secretário municipal de Agricultura, Leonardo Arruda Ventura, que é sobrinho da gestora, também foi demandado por participar da irregularidade.
As investigações, no âmbito de inquérito civil público instaurado pelo Ministério Público Federal, revelaram como funcionava um esquema de desvio de verbas em que a prefeitura faturava os produtos da agricultura familiar em quantidade maior do que a efetivamente entregue nas escolas.
O esquema foi descoberto a partir de denúncia em que um agricultor afirmou ter sido procurado pela prefeita e pelo secretário de Agricultura para ter o nome utilizado como fornecedor de merenda escolar do município, por ser ele portador da declaração de aptidão ao Pronaf (DAP), que o habilita a fornecer produtos para a merenda escolar dentro do Programa Nacional de Alimentação Escolar.
“Laranjas” – Conforme relatou o denunciante, os agricultores recebiam os valores depositados pela prefeitura em suas contas correntes como “pagamento” pelo fornecimento de produtos e assinavam recibos. Sacavam o dinheiro e devolviam à prefeitura. Em troca, recebiam um pequeno valor pela utilização do próprio nome no esquema de desvio. Ao serem ouvidos pelo MPF, quase todos declararam ter entregue alimentos ao município, mas não na quantidade que constava nos documentos da prefeitura.
Ao comparar os alimentos faturados com os efetivamente entregues, chega-se a estarrecedores números. Conforme registros obtidos nas duas únicas escolas da zona urbana, de 817,8kg de carne caprina empenhados, apenas 140kg chegaram nas escolas; de 28,85kg de feijão empenhados, nenhum foi entregue; de 643kg de polpa de frutas compradas, apenas 85kg chegaram aos copos das crianças.
A prefeitura comprou 823kg de frango, mas as escolas da zona urbana receberam apenas 100kg. Foram comprados 450,2kg de bolo caseiro, mas entregues apenas 110kg.
Para desvendar o esquema, o MPF realizou diligências em escolas do município, colhendo depoimentos de professores, funcionários e merendeiras, bem como ouviu agricultores contratados para fornecimento de merenda escolar pela prefeitura de Livramento, em 2014. Além disso, obteve acesso a todos os registros de recebimento de merenda escolar da agricultura familiar, no referido ano, nas duas escolas da zona urbana, que são as maiores do município e reúnem 73% dos estudantes da rede municipal de ensino.
Dois ou três bolinhos – Conforme relatos de professores de escolas da zona rural, o fornecimento de alimentos da agricultura familiar nessas escolas foi esporádico em 2014. “Quando vem, são dois ou três bolinhos”, relatou um professor que não se recorda da escola ter recebido polpa de fruta ou queijo coalho, nem feijão verde. Outro professor se recorda de ter recebido na escola carne de bode umas duas vezes ao ano. A escola sequer tinha geladeira para armazenar alimentos, conforme verificado pela equipe do Ministério Público Federal.
Em 2014, o Município de Livramento recebeu R$ 132.228,00 do PNAE e, de acordo com a Lei n.º 11.947/09 (que dispõe sobre o atendimento da alimentação escolar aos alunos da educação básica), deveria ter utilizado, no mínimo, 30% desse valor na compra de gêneros alimentícios diretamente da agricultura familiar. No entanto, o município empenhou apenas R$ 37.637,15 na aquisição direta aos agricultores, o que equivale a 28,46% dos recursos.
Baixo IDH – O Município de Livramento possui um Índice de Desenvolvimento Humano de 0,566, o que o coloca na longínqua 4931ª colocação entre os municípios brasileiros. Analisando-se o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) em 2013, observa-se que a média do Brasil para os anos iniciais do ensino fundamental é 5.2 e para os anos finais do ensino fundamental é 4.2. O Município de Livramento possui, respectivamente, as médias de 4.8 e 3.3.
Para o Ministério Público Federal, diante de números educacionais abaixo da média nacional, a gestora do município deveria trabalhar com afinco na busca por melhor qualidade e infraestrutura de ensino para os seus estudantes, e não arquitetar meios para desviar em proveito próprio e alheio recursos públicos destinados à educação.
Atos ímprobos – Conforme o Ministério Público, as condutas praticadas pela prefeita e pelo secretário de Agricultura de Livramento violaram, simultaneamente, o artigo 9º, inciso XI (enriquecimento ilícito); o artigo 10, inciso VIII (prejuízo aos cofres públicos); e o artigo 11 (atentado aos princípios da administração pública); da Lei n.° 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa). O MPF pede que a Justiça condene os demandados nas sanções previstas no artigo 12 da Lei de Improbidade Administrativa.
Ação nº 0800110-91.2015.4.05.8203S