A presidente afastada Dilma Rousseff diz que o presidente interino Michel Temer deveria fazer como ela: defender a recriação da CPMF.
Para a petista, “quem paga o pato, quando não se tem imposto num país, é a população”, com cortes em áreas como educação e saúde.
Ela nega ter dado guinada na política econômica depois de eleita. Admite que cometeu erros, mas sem dizer quais, pois “essa volta ao passado não existe”.
Folha – No dia em que saiu do Planalto, a senhora pedia às pessoas que não chorassem. A senhora não chora?
Dilma Rousseff – Eu não choro, não. Nas dores intensas, eu não choro. Cada um é cada um, né?
E o Lula?
O Lula chora. Ele chorou, sim. O Lula ficou muito triste ali, quando eu saí.
Nas conversas gravadas por Sérgio Machado, José Sarney diz que Lula está deprimido e com os olhos inchados de tanto chorar.
É mentira. Gente, o Lula é uma pessoa com fortes emoções. O Lula chora porque tem dor. Ato contínuo, ele se recupera e enfrenta a vida. Que Lula tá com olho inchado de chorar, o quê!
Houve um pior momento nesse processo? A maior traição?
Você não vai me perguntar da maior traição, né? Ela é tão óbvia!
Michel Temer?
Óbvio. E não foi no dia do impeachment. Foi antes. Em março. Quando as coisas ficaram claríssimas.
A senhora não esperava?
Você sempre acha que as pessoas têm caráter. Eu diria que ele não foi firme. Tem coisas que você não faz.
Olhando em perspectiva, a senhora não acha que teria sido melhor ter cedido o lugar para que Lula fosse candidato à Presidência em 2014?
A Barbara Tuchman escreveu um livro fantástico, “A Marcha da Insensatez”. A insensatez só é insensata quando você percebe que isso pode ocorrer e insiste. Não vale a pena olhar para trás, com tudo já passado, e falar “tinha de ser assim”.
Lula também insistia para que a senhora nomeasse Henrique Meirelles para o Ministério da Fazenda, cargo para o qual Temer agora o convidou.
Cada um é cada um. Eu respeito o Henrique Meirelles, tá? Agora, eu não concordo com essas medidas [anunciadas pelo ministro na semana passada]. Gosto mais do Meirelles no Banco Central que no Ministério da Fazenda. Pelo menos até agora.
Não sei se é dele essa ideia de propor o orçamento base zero [que só cresce de acordo com a inflação do ano anterior]. Mas não é possível num país como o nosso, não ter um investimento pesado em educação. Sem isso, o Brasil não tem futuro, não. Abrir mão de investimento nessa área, sob qualquer circunstância, é colocar o Brasil de volta no passado. É um absurdo.
No governo da senhora também houve cortes e o então ministro da Fazenda Nelson Barbosa, numa proposta fiscal rigorosa, chegou a prever mudança na política de reajuste de salário mínimo.
Nós passamos um ano terrível em 2015 e fizemos todo o esforço para não ter corte em programa social. Nós assumimos [a proposta de se recriar] a CPMF, sem pudor.
Nós nunca entramos nessa do pato [símbolo criado pela Fiesp para protestar contra aumento de impostos]. Aliás, o pato tá calado, sumido. O pato tá impactado. Nós vamos pagar o pato do pato, é?
Porque quem paga o pato, quando não se tem imposto num país, é a população. Vai ter corte na saúde. Já falaram em acabar com o Mais Médicos, já falaram que o SUS não cabe no orçamento. Depois voltaram atrás.
Os que são chamados de coxinhas acreditam que o Bolsa Família é uma esmola. Não é. Ele tem efeito enorme sobre as crianças.
Entre fazer isso [cortes em área sociais] e criar um imposto, cria um imposto! Para com essa história de não criar a CPMF. Só não destrói a educação e a saúde. Não tira as crianças da sala de aula. É essa a discussão que precisa ser feita e não uma discussão genérica sobre o pato.
A senhora fala que o programa de Temer não passou pelas urnas. Mas a senhora também falou uma coisa na campanha e fez outra depois de eleita.
Quando é que o pessoal percebeu que tinha uma crise no Brasil, hein? A coisa mais difícil foi descobrir que tinha uma crise no Brasil.
Na eleição, todo mundo tinha percebido, menos a senhora?
Me mostra a oposição falando que tinha crise no Brasil! Ninguém sabia que o preço do petróleo ia cair, que a China ia fazer uma aterrissagem bastante forte, que ia ter a pior seca no Sudeste.
A senhora diz então que não deu uma guinada de 180º, como até seus aliados afirmam?
Eu vinha numa política anticíclica e acabou a política anticíclica. A guinada é essa. Agora, isso não significa que não possamos ter errado nisso e naquilo. Porque senão fica assim “não errei em nada”. Não é isso.
Errou em quê?
Ah, sei lá. Como é que eu vou falar da situação depois?
Na escolha do candidato a vice-presidente?
Ah, não vou falar isso. É tão óbvio! Mas não tem essa volta ao passado. Isso não existe.
Folha de São Paulo