Por Carlito Lima, do JBF
– “Minha sobrinha como você está bonita, essas guerrilheiras se deram bem. Quando chegou da cidade maravilhosa?”
– “Tio Júlio querido, você está um coroa enxuto, garanto como tem muitas mulheres dando em cima desse viúvo, setentão. Cheguei ontem, vim exclusivamente para os 100 anos da vovó Josina, retorno na terça-feira. Ela está lúcida, impressionante, sentada na cadeira de balanço, me deu um abraço apertado, conversamos muito, ela lembra de pormenores dos tempos da ditadura, minha prisão, meus 8 anos de exílio, a falta que eu fazia, sempre fui muito chegada à minha avó. Achou-me parecida com mamãe.”
– “De fato sua mãe e sua tia, eram tão bonitas como você, aliás, todas as mulheres de sua família são ou foram lindas. Solange, você ultrapassou os cinquenta, continua uma mulher atraente, desejável. Ainda está casada com aquele jovem pilantra?”
– “Meu tio, acho que você está me cantando. O pilantra era apenas uma questão de cama, nunca fui casada com ele, sou uma mulher livre, faço o que quero. Adorei seu ciúme. Agora vamos cantar os parabéns para Vovó. Sempre adorei esse sítio aqui da Bica da Pedra, hoje estou com vontade de tomar um porre, me acompanhe tio Júlio querido e lindo.”
Na reunião familiar comemorando os 100 anos da matriarca Josina, convidados especiais e a família, filhos, netos, bisnetos, tataranetos, faziam a festa no bem cuidado Sítio Macondo, entre coqueiros, mangueiras, à beira da Lagoa Mundaú, um paraíso particular da família. Muita alegria, cantaram parabéns, Júlio discursou, Dona Josina alegre por natureza, feliz, radiante, lúcida, porém, movimentos lentos, agradeceu, tomou uma cachacinha, acendeu um cigarro na vela, soprou as velinhas, abraçou a todos, celebrando a vida, 100 anos de vida.
A festa continuou animada, muitas recordações, casos contados, histórias hilariantes. Um conjunto tocando belas músicas, dançaram, cantaram, beberam até altas horas da noite. Na hora de dormir cada qual se ajeitou nos oito quartos, outros retornaram a Maceió. Alguns mais resistentes ficaram para curtir o amanhecer, pegar o sol com a mão, sentados na grama, no cais das lanchas. Júlio e Solange conversaram, lembrando os tempos de sua prisão. Júlio viajando para o Recife, tentando contatos com amigos, até conseguir um acordo, Solange solta, se exilou no México, depois foi à Europa, Bruxelas, Paris, muita saudade do Brasil. Enfim o retorno, a anistia em 1979.
Certa hora a sobrinha encostou-se em Júlio, beijou-o na boca, cochichou no ouvido,”vamos para o hotel?” Olhos nos olhos, o domingo amanhecendo por trás do coqueiral, céu e nuvens alaranjados, eles se levantaram. Júlio falou aos bêbados retardatárias deitados na grama, “vou embora, levo a Solange no hotel. Logo mais tem a famosa feijoada da Dona Josina. Até mais tarde.” Os dois entraram no carro, olharam-se, abraçaram-se, beijaram-se como se fossem dois colegiais. Ao ver uma carroça passar, se separaram. Direto ao hotel, enquanto Solange saltou do carro para abrir a cancela do sítio, Júlio habilmente, sem a companheira notar, tirou uma pílula azul da carteira, colocou-a na boca, mastigou, engoliu.
Ao entrar no apartamento do hotel, calmamente tomaram um banho quente, o dia havia amanhecido, apesar de todo cansaço, relaxaram se amando, dormiram. Acordaram ao meio dia, repetiram a liturgia do amor do fim de noite. Fizeram um lanche no hotel, passaram no apartamento de Júlio na praia da Jatiúca, digno de um viúvo. Ele vestiu um velho calção de banho, bermuda, camisa colorida, rumaram para feijoada de Dona Josina.
O planejamento de retorno falhou. Solange ficou todo mês de fevereiro e o carnaval, adorou passear pelo litoral norte, litoral sul, encantada com as cidades históricas, barrocas, Penedo, Piranhas, Marechal Deodoro. Aproveitou a época carnavalesca saiu no Bloco Ninho do Pinto em Marechal, em Maceió cantou velhas canções no Pinto da Madrugada. Durante o carnaval visitou amigos, familiares e a vovó Josina. Passeou por todos os mares das Alagoas sempre acompanhada do querido tio.
No aeroporto Solange se despedindo, comentou em seu ouvido, “Tio Júlio, meu amor, adorei o aniversário da Vovó, inesquecível, obrigado por tudo, qualquer dia a gente se vê, tenho certeza.”