Por Sérgio Bezerra
O presidente Jair Bolsonaro saiu das urnas com a maior, mais sólida e mais aguerrida base parlamentar da recente democracia brasileira. A imprensa o tratava a pão de ló, e as oposições, atordoadas com a lapada sofrida, caminhavam lentamente, a passos trôpegos.
Neste quadro, o “mito” montou seu governo ao bel-prazer. Para carimbar suas convicções, nomeou os discípulos Ernesto Araújo no Ministério das Relações Exteriores e o colombiano Ricardo Vélez Rodriguez – depois substituído por Abraham Weintraub – no Ministério da Educação. Colocou Paulo Guedes na Economia e Sérgio Moro na Justiça; entupiu o governo de militares, e, num excesso de cuidado, nomeou Damares Alves, uma pessoa ungida com a patente altíssima de conversar com Jesus Cristo embaixo de uma goiabeira, como ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.
Tudo começou dentro do esperado. Sérgio Moro exercia, com seriedade, a missão de proteger o presidente e seus meninos. Na economia, Paulo Guedes discursava em inglês para americano ver e prometia transformar o Brasil num novo Chile – que, ao seu enxergar, era uma Suíça na América do Sul. De cara, a equipe econômica descobriu que o mal do Brasil era a Previdência e que, sem sua reforma, o país não teria rumo. Imediatamente, o governo enviou o projeto da reforma para o Congresso Nacional. Animada, a equipe previu quatro meses para a aprovação.
Contudo, como num passe de mágica, e de forma inédita na história, Jair Bolsonaro passou a fazer oposição ao seu próprio governo. Primeiro, deixou seu inconsequente filho Carlos distribuir ofensas entre os seus aliados mais próximos: o ministro Gustavo Bebianno, que fazia as vezes de coordenador político; o vice-presidente, General Mourão; e, logo em seguida, o general Heleno – até então, uma espécie de freio de mão aos delírios da família presidencial.
Na primeira oportunidade, o presidente passou a vociferar contra a Rede Globo, que, na reta final do período eleitoral, tinha feito o mimo de cancelar a entrevista contra o seu concorrente, Fernando Haddad – entrevista esta que deveria ter sido realizada, pois é o que ocorre quando um concorrente bate pino de participar do debate final da emissora. Ele também passou a tratar o tradicional jornal Folha de São Paulo e as principais revistas de circulação semanal, como comunistas (!).
No âmbito político, brigou com os governadores Wilson Witzel, do Rio de Janeiro, e João Dória, de São Paulo. Para piorar a situação, rompeu com o seu então partido, o PSL, cujos congressistas foram eleitos a sua imagem e semelhança, Brasil afora. Também rompeu com o MBL e com figuras conhecidas, como Alexandre Frota e Joice Hasselmann – até o intrépido conterrâneo Julian Lemos, aliado de primeiríssima hora, entrou na guilhotina.
Enquanto isso, a decantada poção mágica do seu governo (a reforma da Previdência), sem ações impulsivas de Bolsonaro, cambaleava no Congresso, conseguindo a aprovação somente graças à diligência do próprio Paulo Guedes e à determinação dos neoliberais Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, presidentes da Câmara Federal e do Senado, respectivamente.
Agora, em tempos de novo coronavírus (Covid 19), o presidente Jair Bolsonaro teve em mãos a oportunidade única de unir o país, mas preferiu não trair seu jeito escorpiano de ser. O governo do Brasil, por meio do ministro de Saúde, Luiz Mandetta, seguiu à risca as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS), adotadas no mundo inteiro, e determinou que o isolamento social fosse a alternativa para impedir a expansão do vírus no país. A ideia foi abraçada por governadores, prefeitos e autoridades do Judiciário e do Legislativo de todo o Brasil, independentemente de cor partidária e convicções políticas.
Não obstante, como o escorpião não nega a sua natureza, Jair Bolsonaro consolida-se como a única voz de oposição à ação do seu governo. O presidente acredita cegamente que os 58 milhões de votos redondos obtidos no 2º turno da eleição foram obra e graça da sua longa trajetória política, das peripécias do seu filho Carlos nas redes sociais e de um segredo que compartilha com o General Villas Bôas. No montante, ele não contabiliza votos do antipetismo, do lavajatismo, dos tucanos e demais partidos de direita. Maduro deve estar puto com o novo concorrente na praça…
Pelas duras reações contrárias do povo, do Judiciário e da classe política, é fácil concluir que o modus operandi do presidente, ao tratar a sua gestão pelo avesso do avesso do avesso, não trará nenhum beneficio ao país. Em compensação, pela atitude de alguns de seus discípulos, ficou claro que Jair Messias Bolsonaro toca um berrante como ninguém.