Quando estudos científicos comprovaram pela primeira vez a associação entre o vírus zika e a microcefalia (malformação cerebral em bebês) no início do ano, uma pergunta tomou de assalto as reuniões realizadas pelos pesquisadores do Cedeplar (Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional), um dos principais centros de demografia do Brasil, vinculado à UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).
E se as brasileiras, com medo da zika parassem de engravidar?
Desde então, eles vêm discutindo sobre como a epidemia pode afetar o número de nascimentos e, consequentemente, o crescimento da população brasileira.
“Começamos a discutir o assunto em nossas reuniões periódicas quando a associação entre o vírus Zika e a microcefalia ficou comprovada”, diz à BBC Brasil a demógrafa Laura Rodríguez Wong, professora do Cedeplar.
“Ainda não temos dados suficientes disponíveis para determinar se haverá uma redução substancial no número de nascimentos, mas calculo que o impacto poderia ser entre 10% a 15%”, calcula.
“De qualquer forma, trata-se de algo difícil de quantificar”, acrescenta ela.
Em novembro do ano passado, o então diretor do departamento de Vigilância de Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde, Cláudio Maierovitch, aconselhou mulheres de Pernambuco a adiarem os planos de gravidez até que houvesse maior clareza sobre as causas do aumento de casos de bebês com microcefalia no Estado ─ o mais atingido pela doença.
O órgão, no entanto, negou que existisse uma orientação do governo brasileiro para que as mulheres evitassem engravidar.
Diferentemente do Brasil, outros países latino-americanos que enfrentam epidemia semelhante, como Colômbia, El Salvador e Jamaica, já fizeram a recomendação.
Em El Salvador, por exemplo, o governo pediu para que as mulheres só voltassem a engravidar em 2018.
Segundo o último informe do Ministério da Saúde, até 25 de junho, foram confirmados 1.638 casos de microcefalia e outras alterações do sistema nervoso “sugestivos de infecção congênita” em todo o país. Outros 3.061 casos suspeitos permanecem em investigação.
Desde outubro do ano passado, 8.165 casos foram notificados ao Ministério da Saúde. Desse total, 3.466 foram descartados por apresentaram exames normais ou por apresentarem microcefalia ou malformações confirmadas por causas não infecciosas, acrescenta o órgão.
Nascimentos
De acordo com o IBGE, em 2014 (último dado disponível), o Brasil registrou cerca de 2,9 milhões de nascimentos.
Sendo assim, com base na estimativa de Wong, do Cedeplar, a doença poderia subtrair do país entre 300 mil a 435 mil crianças.
Caso se materialize, o cenário acentuaria a tendência de encolhimento da população brasileira. Se em 1960, as brasileiras tinham, em média, 6,3 filhos, hoje, esse número é de 1,74, abaixo da taxa de reposição populacional (o número de filhos que uma mulher deve ter para que a população total de um país não diminua nem aumente). Entre 2000 e 2012, o número de nascimentos no Brasil caiu 13,3%.
Mas Wong ainda tem dúvidas se o vírus zika seria o grande culpado pela eventual queda no número de nascimentos no Brasil.
Ela ressalva que os efeitos da crise econômica tendem a ser mais preponderantes do que a doença no encolhimento da população.
“Acredito que a recessão tenha um impacto muito maior no planejamento familiar dos brasileiros do que o vírus da zika. Com menos dinheiro, as pessoas costumam ter menos filhos”, argumenta.
Foi o que aconteceu na década de 80, quando o Brasil vivia um período de hiperinflação. Segundo Wong, Estados mais ricos da federação, onde havia maior planejamento familiar, registraram redução no número de nascimentos.
Controvérsia
Já o demógrafo José Eustáquio Diniz, professor da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (ENCE) do IBGE, não acredita em um impacto demográfico do zika.
Isso porque, diz Diniz, apesar do pânico gerado pela epidemia da doença, um número significativo das gravidezes ocorridas no Brasil ainda não é desejada ou planejada.
Neste sentido, o adiamento da gestação ficaria, assim, restrito às classes sociais mais bem informadas.
“Muitas adolescentes e mulheres que desejam adiar a gravidez neste momento não contam com o apoio das políticas públicas e nem o SUS é capaz de cumprir seu papel constitucional”, diz ele à BBC Brasil.
“São as mulheres mais pobres que sofrem, pois, em geral, não possuem dinheiro para adquirir os meios para evitar a gravidez e nem para arcar com as dificuldades decorrentes de uma gestação indesejada e o risco de microcefalia dos fetos”.
Dados da Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS), compilados pelo IBGE, mostram que, em 2006, 57,7% das gestantes brasileiras entre 15 a 19 anos disseram querer “esperar mais” para ter filhos. Já 9,4% afirmaram que “não queriam ter filhos” naquele momento. “Apenas” 32,9% confirmaram o desejo pela maternidade.
Diniz defende ainda que as mulheres tenham direito a decidir sobre se querem ou não prosseguir com a gravidez em caso de microcefalia.
“São as mulheres mais pobres que vão sofrer com a sobrecarga de cuidados dos filhos com a doença e outros problemas neurológicos”, conclui.
BBC Brasil