O CRIME DE CARLOTA NAS MEMÓRIAS DE ZÉ LINS

Por Ramalho Leite

Relembrar José Lins do Rego é sempre um regalo para o espírito. A Academia Paraibana de Letras realizou um seminário sobre sua obra. Ali, percorri o Engenho Corredor e revi seus moradores assustados com as enchentes do rio Paraíba. As peripécias do menino Carlinhos e do moleque Ricardo, suas aventuras e inconfidências voltaram à cena. O encerramento foi coroado com a presença de Walter Lima Junior, o cineasta que colocou na tela o romancista de Menino de Engenho. O reviver de Zé Lins me levou também a páginas já visitadas. Fui em busca de “Meus Verdes Anos”, memórias da primeira infância, e encontrei uma referência que me transportou para o Brejo de Areia e à tragédia que vitimou duas famílias, armando mentes e mãos criminosas, que nem o castigo da fo rc a fez esquecer.

Para Zé Lins, seu mundo terminava nos limites do Corredor, e ninguém era maior que seu avô, senhor do Engenho e dono dos votos sob sua influência. E tanto era verdade que lhe concederam uma cadeira de deputado e ele designou seu genro, Cazuza Trombone, para a vaga. Mas sua vó Janoca “também mandava no Corredor; e tinha seus protegidos…havia porém limites para o poderio da velha. Quando ela quis trazer para a casa de dona Delmana o negro Domingos, não o permitiu o meu avô.A casa de dona Delmana ficava dentro do cercado grande.Vivia sempre fechada.Quem teria sido aquela dona Delmana? As negras não sabiam e aquele mistério permaneceu até que me fiz homem”.

Já homem feito, Zé Lins tomou ciência da história que quase lhe comera os miolos em formação. Dona Delmana fora viúva de um deputado assassinado em Brejo de Areia, a mando de uma mulher. O clima na cidade, após a morte de seu esposo, tornara-se inseguro para ambas as famílias envolvidas no crime, e ela resolveu migrar para perto dos parentes do marido, nascido no Pilar. Partiu em companhia de um filho e de um serviçal do deputado para morar no Engenho Santa Fé, do velho Lula de Holanda Chacon. Na viagem, segundo Zé Lins, apaixonou-se pelo empregado, chamado Cabral, e terminou cansando-se com ele. O segundo casamento não foi aceito pela família do falecido e, desprezada, a ex-viúva terminou seus dias naquela casa do Engenho Corredor cedida pelo avô do imortal.

A mulher que mandou matar o deputado Trajano Chacon, chamava-se Carlota, e o fez, como vingança pela desfeita que recebeu do político, seu vizinho. O deputado chegou a ameaçar com um rebenque a futura algoz quando a encontrou em animado papo de calçada com sua esposa. Na ocasião, ela prometeu vingança, e logo contratou pessoas de sua confiança para a empreitada. No dia em que foi eleito deputado geral (deputado federal) o ex-promotor Trajano Chacon encontrou a morte, nas cercanias do Quebra, em Areia. O derrotado era justamente o amante de Carlota, o major Quincas, que estava foragido no cariri por outro fato e tomou ciência do ocorrido a posteriori. “Aquela mulher me mata.

Mas o que está feito, está feito”, teria dito. Mesmo assim, sofreu condenação juntamente com Carlota e os executores do crime.

De todos os condenados à forca, apenas Beiju- Antonio das Virgens, que não atendeu ao apelo de misericórdia da vítima, conheceu o patíbulo. Em segundo júri, as penas dos demais foram transformadas em prisão perpétua, inclusive, a de Carlota. Esta cumpriu pena em Fernando de Noronha. A República reduziu a pena máxima para trinta anos.

Carlota foi solta e terminou a vida como dona de uma pensão no Recife. Em Fernando Noronha abandonou o ex- amante à própria sorte e se fez constante na cama e na mesa do seu carcereiro. Em Areia, porém, seu tempo de fama e de poder ficou marcado na história da cidade. Segundo Horácio de Almeida, até os presos clamavam a sua proteção.

Diariamente, saiam da prisão com um barril de excremento para jogar em local ermo. “A isso c ha mavam de faxina”. Ao ganhar as ruas, os presos cantavam: “Rua abaixo, rua acima/ Com meu chapéu de bolota/Me solte seu major Quincas/ Me valha dona Carlota”.

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