Por Ramalho Leite
No tempo em que a Paraíba só oferecia a seus filhos os estudos preparatórios, existiam dois estabelecimentos de ensino referenciados: o Liceu Paraibano e a Escola Normal. Ambos se localizavam no antigo Pátio do Colégio, depois praça Comendador Felizardo e finalmente, Praça João Pessoa. Era nesse largo, à época cercada por um gradil, que se concentrava a estudantada, belas normalistas e os futuros bacharéis, se tivessem condições de chegar à vetusta faculdade de direito do Recife. Da convivência desses jovens, com suas vistas voltadas para o futuro, nasceram muitos casamentos. Famílias distanciadas umas das outras por divergências políticas ou entreveros pessoais, podiam se reunir através dos seus rebentos e encontrar a paz. O contrário, poder ia também acontecer e, de namoros proibidos, surgirem motivos para uma guerra de linhagem, afetando a vaidade genealógica de alguns.Nunca se esperou, porém, que o local fosse reservado a testemunhar uma dos mais trágicos incidentes da historia paraibana na década dos anos vinte.
Era setembro de 1923, e dirigia a Escola Normal o monsenhor João Milanez que, incomodado com a algazarra dos estudantes do Liceu e a proximidade deles com suas preciosas alunas, resolveu estabelecer uma linha divisória no logradouro. A partir daquela linha imaginária, ninguém poderia ultrapassar para ir ao encontro das normalistas. A guarda civil estava encarregada de manter essa determinação. Um sábado à tarde, Sady Castor, aluno do Liceu, pretendeu ir ao e ncontro da sua namorada, a futura professora Àgaba Gonçalves de Medeiros. Foi admoestado pelo Guarda 33, que fazia o papel de “guardião da honra das moças”, um pernambucano batizado Antonio Carlos de Menezes. O estudante resolveu desobedecer à autoridade e ultrapassou a faixa proibida. Surgiu uma discussão entre os dois, resultando daí a morte de Sady, atingido por um tiro certeiro do destemperado guardião da praça.
O estudante Sady Castor foi socorrido pelos médicos Newton Lacerda e Ademar Londres, cujos esforços para salvar-lhe a vida, foram em vão. Conduzido para a casa do seu parente, dr.Gouveia Nóbrega, o corpo do inditoso jovem recebeu “absolvição in limine do padre Jos&eacut e; Coutinho” conforme noticiou a União do dia seguinte. O Guarda 33 foi “preso em flagrante pelo Sr. Dr. Mariano Falcão, entregue ao Guarda 41…e recolhido à cadeia pública”.Sady tinha apenas 25 anos e era filho do major Emiliano Castor de Araujo, residente em Soledade. Os estudantes do Lyceu Parahybano transformaram sua escola em palco de protesto e revolta contra as autoridades estaduais. O presidente Solon de Lucena se fez representar no funeral pelo secretario geral Álvaro de Carvalho, e substituiu o diretor da Escola Normal pelo seu conterrâneo do Bananeiras, o cônego Pedro Anísio.Nesse dia, a terceira escola entã ;o existente, a Academia de Comercio, liberou seus alunos que, incorporados, compareceram ao funeral.
Mas não terminaria aí essa tragédia que quase derruba o presidente Solon de Lucena. A jovem Ágaba, inconsolável com a perda do namorado, cometeria suicídio alguns dias depois. Em carta, pediu desculpas àquela que seria sua futura sogra e, revelou suas razões: “ Resta-nos confiar na justiça da terra? Não, confiarei na Divina, pois que aquela falha e esta jamais falhará”. E conclui: “Peço-vos que abençoeis aquela que amanhã irá fazer companhia àquele que soube honrar e fazer-se honrar”.
A inconformada normalista pertencia a família importante da nossa sociedade. A União e o Governo, acossados por uma opinião pública, abalada com a tragédia que vitimou dois jovens enamorados, não quis agravar os fatos e tratou de minimizá-los. Seu noticiário, na edição de 07.10.1923, assim registrou o passamento da infeliz jovem: “Hontem às 18 horas, mais ou menos, sentindo-se mal do estômago, a senhorita Àgaba diluiu num copo d´água uma droga qualquer, e julgando tratar-se de bicarbonato de sódio, ingeriu a solução.Ocorre que a infeliz moça por um equivoco fatal, trocara os vidros do medicamentos, tomando arsênico em vez de bicarbonato”.