Por Ramalho Leite
Foi a primeira vez que ouvi falar em José Américo de Almeida, ou Zé Américo, como preferia o povão. Tinha sete anos de idade quando ele aportou na minha vila em campanha para o governo do estado. Meu pai, Arlindo Rodrigues Ramalho, fora candidato a vereador na primeira eleição pós redemocratização do País e era o representante local da União Democrática Nacional. Reuniu muitos amigos, para, de longe, na calçada alta do Grupo Escolar, apreciar a visita do candidato à casa de José Amâncio Ramalho. Zé Américo fora colega do dono da casa, na turma de 1908 da Faculdade de Direito do Recife.Com ele estavam Rui Carneiro, candidato ao senado; Humberto Lucena, que pleiteava vaga na Assembléia Legislativa e Pedro Augusto de Almeida, eleito deputado na Constituinte de 1947 e candidato à reeleição.(Viria a falecer após ser diplomado para o exercício de novo mandato). Políticos dos municípios vizinhos também compunham a comitiva.
À época, José Américo renunciara à presidência da UDN e, como senador, disputava o cargo de governador da Paraíba. A Coligação Democrática Paraibana era resultado de um acordo entre Rui Carneiro, que representava o Partido Social Democrático-PSD, e José Américo. Muita gente da UDN preferiu acompanhar Zé Américo, a exemplo de Pedro de Almeida, Ivan Bichara e Nominando Diniz, para lembrar os mais conhecidos, todos dissidentes udenistas. Foi, portanto, com uma UDN dividida, que o então deputado Argemiro de Figueiredo enfrentou as urnas nas eleições de 1950. Para reforçar sua posição, contava o político campinense com o apoio ostensivo dos governos federal e estadual, este, chefiado por José Targino, em função da renuncia do governador Osvaldo Trigueiro de Albuquerque Melo e aquele, tendo como homem forte, justamente o candidato ao senado, José Pereira Lira, falando em nome do presidente Eurico Gaspar Dutra.
Para José Américo, foi a “campanha mais violenta que eu ganhei”. E conta: “Fiz a campanha mais vivo e vigoroso do que nunca.Varava o sertão com o sol batendo na cara, comendo poeira, como nos dias combativos de 1930. Havia conflitos. Derramou-se sangue nas ruas.Jogaram lama na minha comitiva, antes que eu passasse, para saltar do carro e desafiar esses selvagens. Nomearam, demitiram. Fizeram tudo isso e perderam feio”.
Na Vila de Borborema ninguém jogou lama ou apupou a comitiva do candidato. Meu pai, presente com os seus, mantinha a ordem e controlava os mais exaltados. A briga dele era local, deixasse a comitiva ir embora que a UDN soltar-se-ia. E assim foi feito. Bastou o último visitante tomar seu veículo e a ala feminina irrompeu cantando o hino oficial do argemirismo, que ainda tenho na memória, uma paródia com a música Taí, do grande Joubert de Carvalho, gravada por Carmem Miranda.
Minhas tias Helena de Moura Leite e Ivanilda Pinto Ramalho, que haviam levado seus alunos da escola de adultos para a rua, puxaram a musica: “Taí, Argemiro tem que ser governador/com Renato seu maior batalhador/ Zé de Almeida, o seu bonde vai errado, sim senhor!/ Pereira Lira vai para o senado/ que é homem forte e muito estimado/ na vibração da grande vitória/ exalta a glória do seu passado/ Taí, Argemiro tem que ser governador. Não foi não, o bonde de Zé de Almeida não correu errado, mas célere em direção ao Palácio da Redenção. Perdeu Argemiro, seu vice Renato Ribeiro Coutinho e o “cachimbão” Pereira Lira, que chefiara a Casa Civil do governo Dutra e foi por este contemplado, com uma cadeira no Tribunal de Contas da União.
Essa campanha ao governo mexeu com os paraibanos e jamais seria esquecida, em virtude do comício da Praça da Bandeira, em Campina Grande, que terminou em tragédia com mortos e feridos. Os lenços brancos de Zé Américo e os amarelos de Argemiro ostentavam o pescoço dos seus correligionários. Até em Bananeiras essa rivalidade chegou dividindo famílias e separando irmãos. Exemplo disso foi contado por Maurílio Almeida: dona Donana, sua avó, portanto sogra de Pedro de Almeida, seu pai e candidato a deputado estadual, era irmã de Dona Dondon, avó de Clovis Bezerra, candidato dos amarelos. Certo dia, ao voltar da missa dominical, dona Donana avisou que não mais visitaria sua irmã Dondom, enquanto perdurasse a campanha política. E a razão foi explicada:
– Ela não está nem um pouco resfriada, mas usou um lenço amarelo para assoar o nariz, só para me afrontar…
Pedro Augusto de Almeida, não tivesse falecido em dezembro daquele ano de 1950, certamente, sob a liderança de Ivan Bichara, formaria na bancada americista e ingressaria como outros dissidentes da UDN, no nascente partido Partido Libertador. Sua morte fez ascender logo no primeiro dia de mandato, em 02 de fevereiro de 1951, o primeiro suplente Humberto Coutinho de Lucena que ali dava os primeiros passos para sua respeitável carreira política.
O governo de Zé Américo, na casa de um político udenista do interior, acumulou uma coleção de histórias de perseguições. Nunca ouvi boas referências. As minhas tias que puxaram o hino de Argemiro, por exemplo, foram exoneradas nos primeiros dias de governo. Hoje eu diria que se cumpriu exigências da política local, mas na minha alma de criança, ficou a marca de um governo que tirava o emprego de quem precisava.
A vida inteira, sempre olhei para o solitário de Tambaú com um pé atrás. Apesar dessa antipatia herdada do passado, lí quase tudo que publicou. E quanto aprendi com seus escritos! Sua vida é um exemplo que não poderia ser escondida das gerações que o sucederam. Por sua longevidade, seu modelo de homem público e escritor, também serviram aos seus contemporâneos. Era um vaidoso? Sim, mas tinha motivos para sê-lo.
Não tive o privilégio da sua convivência. Uma única vez fui à sua residência acompanhando o prefeito Dorgival Terceiro Neto. O município projetou uma avenida ao pé do morro do Cabo Branco, para possibilitar o tráfego de mão única na Beira Mar. Essa avenida de retorno teria que cortar um pedaço de todos os quintais das casas defronte à praia. Só tinha quintal de gente importante. O Prefeito resolveu visitar primeiro o maior de todos, e expôs ao Ministro a sua idéia e a importância da obra para a cidade. Não quero nada de graça, vou desapropriar, indenizar e pagar, explicou o edil. O ministro ouviu tudo calado, fez algumas perguntas e se satisfez com os detalhes que queria conhecer.
– Não quero pagamento. Pode lançar mão do pedaço de terreno necessário. Só quero que salve os meus pés de jabuticaba.
O prefeito lembrou de que a jabuticaba só produz depois de trinta anos.
– Sei disso, mas lhe garanto que vou colhê-las!
A aquiescência do Ministro desarmou o espírito dos demais moradores da orla.Todos concordaram com a nova avenida que terminou lhes beneficiando com uma entrada pelos fundos de suas casas,
Pelo homem que foi, nas posições que ocupou e honrou, Zé Américo levou o nome da Paraíba aos píncaros. Por isso, repito, tinha motivos para se orgulhar da sua história, daí porque, tornou célebre e até folclórica a sua extrema vaidade, mesmo tentando escondê-la permanentemente. Aqui e acolá, porém, deixava escorregar…
Quando fez as pazes com Getulio Vargas e deixou o governo da Paraíba para ser novamente ministro da Viação e Obras Publicas, ao chegar ao Rio de Janeiro, cercado por jornalistas, foi indagado:
– Por que veio?
– Por que me chamaram.Porque precisam de mim!
Ao assumir a cadeira da imortalidade, na Academia Brasileira de Letras, não se fez de rogado:
– Penetro nesta casa como quem acha o seu lugar.
(PUBLICADO NA REVISTA GENIUS)