Por Zizo Mamede
É um dezembro. Um dezembro como outro qualquer no Ocidente. As luzes são coloridas nas fachadas das casas. As luzes são ofuscantes nas vitrines das lojas. As luzes são cintilantes nas alturas das torres. As luzes são penduradas nas árvores vivas ou mortas. As luzes ardentes do Natal despertam as pessoas para um tempo mágico.
É um tempo que se repete como todo tempo de Natal no Ocidente. Cidades e telas. Vendedores frenéticos. Calçadas superlotadas. Mãos sobrecarregadas. Trânsito nervoso. Tem gente que chega e tem gente que sai. Um ilustre visitante, gorducho, corado, barbudo, grisalho, simpático, renova aquela habitual visita anual.
É um papai Noel como todo papai Noel no Ocidente. Desde que a Itália se apropriou de São Nicolau – o bispo generoso dos pobres da Ásia Menor – e deu-lhe uma áurea de encanto. É o mesmo velhinho bondoso, de quem a Coca Cola se apropriou e o capital transformou no seu mais eficiente garoto-propaganda. É chegada a noite de Natal.
É uma noite de Natal como toda noite de Natal. Tanta comida. Tanta bebida. Tanta fartura. Tanto amor desacorrentado. Tanta generosidade desenfreada. Tantos presentes. Tantos convivas. Tantas lágrimas. Tanta alegria. Tanto abraço. O Natal é da família.
É um Natal como outro qualquer, desde que Charles Dickens escreveu Uma Canção de Natal, libertou fantasmas e tocou o coração dos avarentos. O espírito do Natal inundou as famílias. A crua e cinzenta cidade ganhou ternura e recolhimento, pelo menos por uns dias.
É um presépio como outro qualquer, no estábulo ou na gruta acolhedora, desde que, numa noite medieval (São) Francisco Assis popularizou a festa da Itália para o mundo. Uma manjedoura. Uma mãe prenhe de esperanças. Um menino feito de luz. Um carpinteiro. Uns homens simples, uns reis e uns bichos.
É uma noite de Natal como no ano 800 em Roma, quando Carlos Magno foi coroado imperador pelo papa, porque o sonho do império cristão não podia morrer. É noite de Natal em Roma, como toda noite de Natal, com sermões natalinos nas igrejas, como o sermão inaugural do papa Leão I na basílica de Santa Maria Maior.
É uma noite natalina como outras tantas, desde que os cristãos de Roma tomaram o Natal dos palestinos e dos romanos a festa pagã do Sol Invicto. Da festa que celebrava a invencibilidade do Sol contra a longa noite de trevas nasceu o dia do nascimento do Cristo.
É mais um dia como outro qualquer e lá se vai o fogueteiro com seu andar hominídeo para os arredores da cidade. Nas mãos a comida. E lá se vai o fogueteiro, com seu olhar maltrapilho, rever cães sem dono e gatos proscritos, expulsos da cidade.
É um dia outro qualquer na vida do fogueteiro. E lá se foi o fogueteiro no seu corpo surrado alimentar cães e gatos leprosos. Então é Natal, um dia, como outro qualquer na vida do fogueteiro. Mais um dia para saciar os cães, mais um dia para alimentar os gatos.