Por Ramalho Leite
Transcorria uma madorra sessão da Assembleia Provincial de 1885, em que se discutia as parcas verbas do Erário e o seu destino. Havia uma proposta de que se retirasse parte do bolo destinado à Santa Casa da Misericórdia para as Casas de Caridades fundadas pelo padre Ibiapina- José Antônio Maria de Ibiapina, àquela altura, já falecido. De onde menos se esperava surgiu a reação: o deputado padre Joel Esdras Lins Fialho resolveu detonar a Casa de Caridade de Santa Fé e seus dirigentes, notadamente, dona Cândida, desprendida e rica dama que largou a família para se dedicar à missão iniciada pelo padre-mestre. A crítica foi ampliada para outras unidades, mas, aquela situada às portas de Arara, onde o deputado fora capelão, mereceu maior censura.
Para o padre Joel, as Casas de Recolhimento, como as preferia chamar o padre Euphosino Maria Ramalho, também deputado naquela legislatura, estavam sendo desvirtuadas de suas finalidades iniciais. Denunciou a existência de uma dependência que serviria de prisão para castigo das internas, muitas das quais, padecendo de males incuráveis e não merecendo a devida atenção da diretora. Seu discurso, interrompido por protestos de “não apoiado”, mereceu contestação do deputado José Campelo Galvão, além de sucessivos apartes do vigário de Bananeiras-padre Euphosino e, de Irineu Joffily, conforme nos conta o padre Ernando Teixeira de Carvalho, confrade do IHGP.
O deputado José Campello, nobre representante de Mamanguape, terminou por admitir que o acusador tivesse “sido acometido de uma alucinação de momento” e rechaçou o que considerou um “escárnio contra as casas de caridade da província fundadas por este grande homem – o padre Ibiapina, cuja memória é sagrada em nossos corações…um verdadeiro apóstolo da sociedade”. Ao que parece, as Casas de Caridade não conseguiram levar qualquer parcela das verbas destinadas à Santa Casa, daí por que o padre Euphosino resolveu recorrer ao Imperador Pe dro II reivindicando uma pensão mensal, para manter as internas de Santa Fé e de Cabaceiras (vide A União, de 16.01.16).
O autor de “Ibiapina e Santa Fé” não sabe a que atribuir os ataques do padre Joel à obra de Ibiapina, mesmo proclamando: “doe-me dentro da alma, sr.Presidente,ter necessidade de tratar aqui de uma questão tão ingrata e espinhosa”. Imaginei que essa posição adversa houvesse nascido em Areia, terra da origem do padre Joel e por onde havia passado Ibiapina como advogado. Mas por esse tempo Joel era criança. Não encontrei nenhum vestígio de qualq uer animosidade porventura surgida no passado areiense de ambos. Talvez o padre houvesse puxado ao avô, capitão-mor Bartolomeu da Costa Pereira, dono do engenho Viração, “um temperamento estourado e de pouca vocação para a política”, segundo Horácio de Almeida. O capitão era presidente da Câmara Municipal de Areia em 1837 e abandonou o cargo “para não se envergonhar de continuar servindo a um governo indigno”. A força política dos Lins Fialho vem do Velho Capitão, que elegeu deputado o filho Francisco Lins Fialho e depois seu irmão Joaquim Álvares, padre como o sobrinho Joel, filho de Francisco.
O presidente da Casa interferiu nos debates e tentou parar o denunciante com a expressão latina “parce sepultis” a que o padre Ernando traduziu ao pé da letra como “enterrado,perdoado”. Uma forma de dizer: “perdoa os mortos que não podem se defender”.
Padre Joel Esdras quando assumiu a cadeira de deputado respondia pela nóvel freguesia de Currais Novos-RN. Segundo Celso Mariz, chegou à Assembleia em virtude da anulação da eleição do bananeirense Ascendino Neves e mais dois falecimentos. Foi um dos três suplentes convocados. Os votos que adquirira vieram do Distrito Eleitoral que tinha sede em Areia e incluía Alagoa Nova, Bananeiras, Araruna, e Cuité, onde então era vigário. Seu único mandato o tornou famoso pelo discurso contra as Casas de Caridade.
Criada a Arquidiocese da Paraíba, em 1895, o padre Joel Esdras foi designado vigário encomendado de Araruna, onde permaneceu até a morte.
O historiador Humberto Fonseca nos revela que o padre, mesmo quando se tornou avulso e passou as obrigações sacerdotais da paróquia de Nossa Senhora da Conceição para outro clérigo, não se ausentou da politica local. Foi conselheiro municipal várias vezes e presidente desse Conselho. Uma das querelas em que se envolveu contou com a ingerência do presidente Castro Pinto que, a princípio, conciliador, terminou por enviar um contingente policial para aclamar os ânimos da disputa politica envolvendo os vários candidatos a conselheiros, entre os quais se destacava o padre Targino Pereira da Costa, filho da terra e acostumado ao poder de mando de sua família, uma oligarquia que ainda hoje sobrevive na política de Araruna.
E por falar em família, o padre Joel Esdras resolveu constituir a sua, e renunciando ao voto de castidade, botou no mundo enorme descendência que ocupa posição de prestígio por esse Brasil a fora, na cátedra, na magistratura, na medicina e em outros ramos de atividade, sempre orgulhosa desse tronco genealógico.
Mas foi com seu discurso na Assembleia Provincial da Parahyba do Norte, que o padre Joel conquistou seu lugar na história.
P.S. É a segunda vez que abordo esse assunto: o padre José Euphosino Maria Ramalho, nascido e batizado no Piancó com o nome de José Euphosino Pinto Ramalho, foi vigário colado de Bananeiras até 1903. Na legislatura de 1884-1885, como colega do padre Joel Esdras, Celso Mariz nos dá noticia da presença do deputado padre José Euphosino Maria de Carvalho. Só posso atribuir a um erro de grafia que vem sendo repetido, pois, inclusive, o nome Maria foi acrescentado em homenagem ao padre-mestre José Antonio Maria de Ibiapina, ao lado do qual, foi sepultado, a seu pedido. Que me tirem essa dúvida o padre Ernando e Humberto Fonseca, já que não posso invocar os saudosos Celso Maria e Deusdedith Leitão, responsáveis pela Memória da Assembleia Legislativa da Paraiba.