Por Sérgio Bezerra
Amigo, se você soubesse que as pessoas tendem a agir dissimuladamente ao longo da vida e que, muitas vezes, se aproximam umas das outras apenas em proveito próprio, talvez tivesse agido diferente.
A pureza de sua alma era tão cristalina que você não percebia que o que lhe provocava momentos de euforia e excitação era apenas nuvem passageira, que rapidamente voltava em forma de tempestade.
Apesar do seu jeito arredio, você marcou, amigo. Passamos agradáveis momentos juntos: nos bares, nas festas, nos campos de futebol, nas praças e nos cabarés. A turma era boa, a amizade era sincera, até a marmitinha que dividíamos nos tempos de estudante dá saudade. Mas você tinha um diferencial: era o único que não enxergava maldade em nada.
Nunca presenciei você desejar o mal a alguém – e desafio quem tenha presenciado –, nunca o vi transbordar qualquer sentimento sombrio que enojasse a alma. Você era puro, cara. Era diferente. Tão diferente que foi se afastando da turma lentamente, talvez por não entender porque aquela turma de amigos-irmãos de brincadeiras quase infantis estava agora mais preocupada em matar o leão de todo dia. Você preferia viver de maneira mais simples, mais humana.
Ultimamente, andava muito só, talvez precisando de alguém para conversar, para desabafar, para escutar, para falar da vida, da época da escola, do seu Flamengo amado ou dos velhos e inesquecíveis tempos da Sambacana… Quem sabe, né? Eu percebi isso, e sei que muitos dos seus amigos o perceberam. Mas, nos tempos corridos de hoje, sempre se tem alguma coisa material para se fazer neste mundo. E o afago que talvez você estivesse precisando acabava ficando para depois. Da minha parte, desculpe a falha, cara.
Eu só queria dizer, amigo velho, que sua presença na Terra não foi em vão. Você deixou um legado. Do seu jeito, mas deixou. E um doce e difícil ensinamento: de que o ser humano pode viver sem maldade, mesmo neste mundo cruel. E isso é forte, isso é cristão, isso é exemplo, isso é show.
Que pena que sua participação nesta interminável peça de teatro que é a vida já terminou. Mas foi preciso terminar para que as pessoas percebessem a sua grandeza exemplar.