Por Ramalho Leite
Era julho de 1930. Na Capital da Parahyba, a Escola Normal e o Liceu Paraibano eram os estabelecimentos de ensino mais avançados. O estado estava convulsionado com a rebelião surgida no município de Princesa Isabel, declarado “território livre” pelo deputado e coronel José Pereira Lima. Era presidente da Parahyba o ex-ministro do Tribunal Militar, João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque, sobrinho do ex-presidente Epitácio Pessoa. Para combater os rebeldes, faltava ao presidente o indispensável apoio do governo federal, com quem perdera o diálogo desde a mais recente eleição presidencial, disputada e perdida por Getúlio Vargas, tendo o paraibano como integrante da sua chapa. A tudo João Pessoa r ecorria para conseguir armar sua polícia e manter a integralidade dos seus domínios, dividido pela insurreição. As alunas da Escola Normal encetaram uma campanha visando arrecadar fundos para reforçar os cofres do estado. Foram, incorporadas levar ao presidente o produto daquela ação cívica. O diretor da escola fez, em nome da instituição, um patriótico discurso. No seu agradecimento, emocionado e penhorado, João Pessoa concluiu: “Deus não permitirá a vitória do trabuco sobre a lei”. Permitiu! Nove dias depois desse encontro do presidente com as jovens normalistas que o cobriram de flores vermelhas, seu corpo chegava a esta capital, coberto de flores brancas . Fora vítima do trabuco.
A tragédia da confeitaria Glória, no Recife, foi o estopim que deflagrou a chamada revolução de 1930, entronizando Getulio Vargas no Catete por prazo indeterminado. Dali só sairia em 1945, com a promessa de um retorno triunfal. Era 26 de julho. João Pessoa, contrariando a opinião dos que o cercavam, dirigiu-se à capital pernambucana, cidadela inimiga e acolhedora dos que lhe faziam oposição. Entre estes estava o advogado João Dantas, injuriado com a campanha que o governo da Parahyba movia contra si e seus familia res, publicamente, através do jornal oficial A União e, disfarçadamente, em ações policiais nos redutos eleitorais dos Dantas. João Dantas procurou vingança quando soube da presença do seu inimigo no Recife. Saiu à procura de João Pessoa pelos lugares mais prováveis, encontrando-o na confeitaria cujo nome, por coincidência, escreveria a sua triste glória. “Eu sou João Dantas!”. Puxou a arma e atirou. “Canalha, não se mata assim covardemente um homem”, teria dito a vítima. O agressor foi rechaçado pelo motorista do presidente, recebendo um tiro superficial. Preso, réu confesso, perdeu a vida enquanto hóspede na Casa de Detenção.
Como a Parahyba recebeu essa noticia, é tema que ocupou muitas mentes. Interessa-me contar como o restante do Brasil chorou a morte de João Pessoa. A Parahyba formou com Minas Gerais e o Rio Grande do Sul a chamada Aliança Liberal para enfrentar a candidatura de Julio Prestes, o vitorioso governador paulista. O presidente Washington Luiz quebrara a gangorra do “café com leite”, acordo das lideranças civis com beneplácito militar, que visava colocar, alternadamente, um paulista e um mineiro na presidência da Republica. A repetição de um paulista preteriu a vez de Minas. Os gaúchos aproveitaram o ensejo para empin ar a candidatura de Vargas. Com fraude ou não, a verdade é que a chapa oposicionista Getúlio/João Pessoa foi derrotada pelos governistas.
Naquela noite de 26 de julho, Getúlio Vargas estava com a família no Cine Central, em Porto alegre. De repente acenderam as luzes e alguém subiu ao palco e gritou: “João Pessoa foi assassinado”. Enquanto a platéia, atônita, tentava descobrir os detalhes do crime, Getúlio saía de mansinho e retornava ao palácio do governo. As informações que chegavam ao sul eram ainda incompletas, mas já adiantavam que o presidente paraibano fora vitima de um adversário político. No Clube do Comércio estava sendo realizado um banquete em homenagem a Osvaldo Aranha, que estava deixando o governo ga ucho para se dedicar à conspiração, evitando comprometer Getúlio. Alguém passou um bilhete para o homenageado. O jantar foi imediatamente suspenso e todos se dirigiram ao Palácio do Governo. Antes, porém, Osvaldo Aranha e outros eminentes oradores, como João Neves da Fontoura, falaram à multidão que se formara rapidamente, diante da comoção provocada pela trágica noticia.
Osvaldo Aranha começou: “Quero afirmar aos que me ouvem neste instante que podem voltar para suas casas, certos de que não vão desonrar seus lares nem suas tradições…Está para breve a hora em que o povo do Rio Grande há de se redimir dos insultos com que o poder nos tem procurado diminuir e há de transformar o sangue de João Pessoa na ressurreição e reintegração da Republica brasileira…Mais hoje, mais amanha, será vingada a morte de João Pessoa”. Para os defensores da revolução, o difícil era convencer Getulio Vargas a dar uma voz de comando. “ Vargas conservou-se, todo o tempo, hermético, como nunca”, revelaria João Neves, citado por Lira Neto.
Virgilio de Melo Franco, político mineiro, chegou a Porto Alegre no momento da eclosão da comoção pública com a morte de João Pessoa. Foi levado à presença do presidente gaucho. A cidade estava em agitada desordem cívica. As passeatas se sucediam, os comícios eram improvisados, mas Getulio era uma esfinge. Seu silencio era ensurdecedor!.( Consultei Lira Neto, em “Getúlio” e jornais da época) (CONTINUA)