O TRABUCO VENCEU A LEI (2)

Por Ramalho Leite

“Deus não permitirá a vitória do trabuco sobre a lei”(João Pessoa)

A minha narrativa sobre os acontecimentos que culminaram com a morte do presidente João Pessoa, prende-se mais à forma como essa infausta noticia foi recebida fora dos limites paraibanos. Já vimos como o povo gaúcho, com Getúlio Vargas à frente, foi surpreendido. Interessa-me agora registrar, como o outro parceiro da Aliança Liberal, o estado de Minas Gerais reagiu ao sacrifício de João Pessoa, naquele 26 de julho de 1930. Além de associar-se à bancada gaúcha nas manifestações de pesar, os parlamentares de Minas, em nome do seu governo, colocaram-se à disposição dos familiares do ilustre morto. O presidente minei ro, Antonio Carlos, recomendou ao seu líder, deputado José Bonifácio, que juntas, as bancadas de Minas e Rio Grande promovessem as homenagens ao presidente desaparecido.

Logo às primeiras horas da noite daquele sábado, 26 de julho, a notícia chegou às alterosas por via telegráfica. Abalada com o fato, a população mineira começou a se aglomerar nas principais praças à procura de noticias mais detalhadas do grave acontecimento. O governo, reunido com todo o secretariado, tinha o mesmo objetivo: aguardar maiores esclarecimentos. João Pessoa fora o candidato a vice-presidente de Getulio e seu nome, mesmo derrotado, permanecia ativo nas mentes dos brasileiros que desejavam mudanças revolucionárias na política nacional. Getulio Vargas no Rio Grande, Antonio Carlos, em Minas e João Pessoa, na Para&ia cute;ba, formaram a tríplice aliança na busca de um novo horizonte para o Brasil. A máquina governista, porém, conseguira se impor e elegera o paulista Julio Prestes. A morte de João Pessoa seria a bandeira a impulsionar as mudanças pregadas pelos conspiradores, ávidos por derrubar o governo de Washinton Luiz.

Antes, porém, era preciso manter acesa a chama e, o sangue de João Pessoa, seria o combustível ideal para abastecer a vontade dos que ainda teimavam em se manter longe da conspiração. Em Minas, o governo mandou publicar a seguinte nota: “O Governo do Estado de Minas Gerais, considerando que o bárbaro assassínio de que acaba de ser victima o presidente João Pessoa constitui motivo da mais justa e vehemente mágua para quantos, cultuando a Republica e a Federação, amam devotadamente a pátria brasileira; considerando que o povo mineiro,pelos seus sentimentos e ideaes, se vincul ou a tão insigne personalidade por laços de profunda amizade e admiração; considerando o seu heroísmo, na defesa da autonomia da gloriosa Parahyba, e, portanto, na defesa do principio federativo, base da organização política da pátria, a cujo serviço se sacrificou até o martyrio,resolve, como expressão de máxima dor e tributo de homenagem a sua imperecível e excelsa memória, decretar luto por três dias em todo o território mineiro”(“O Minas Gerais”/A Noite, Rio, 28.07.1930).(mantive a grafia da época)

A praça da Liberdade, em Belo Horizonte, foi o palco do encerramento de passeatas, coroadas com discursos inflamados dos partidários da Aliança Liberal. Faziam coro aos jornais mineiros, que fizeram circular edições especiais e registraram que “desapparece a mais notável personalidade política revelada no paiz nos últimos tempos”(O Minas Gerais). No domingo de luto que se seguiu à morte de João Pessoa, os cinemas e outras casas de espetáculos mineiros cerraram suas portas em homenagem à memória do presidente da Parahyba. As forças militares e policiais entraram em rigorosa prontidão. O governo federal determinou o en vio de tropas federais para a Parahyba. Era tarde demais para João Pessoa. Serviu, porém, para encerrar o conflito de Princesa, cujo “território livre”, então, passou ao controle do exercito brasileiro, sem ingerência, porém, nos assuntos político-administrativos do Estado, em respeito à sua autonomia, como registra Álvaro de Carvalho,sucessor de João Pessoa.

O jornal “A Noite”, do Rio, procurou ouvir membros da oposição paraibana. Na residência do deputado Artur dos Anjos, encontrava-se o desembargador Heráclito Cavalcanti, chefe oposicionista. Até eles já chegara a noticia de que o povo, em protesto, ganhara as ruas e incendiara a residência do senador José Gaudêncio, cuja família fora asilada na Capitania dos Portos.O desembargador Heráclito deu o seguinte depoimento: “Eu não comprehendo o destemor e a imprudência do dr.João Pessoa, indo ao Recife, no momento mais agudo da luta, quando a capital pernambucana era o refúgio dos nossos conterrâneos perseguidos pela sua policia”. E concluiu: “Resta-nos um consolo e este é de que o assassínio não foi praticado por uma pessoa de segunda ordem, hypothese em que os nossos adversários poderiam emprestar-nos responsabilidade no crime, mas por um advogado, homem de sociedade, independente”.

Epitácio, que tinha em João Pessoa o seu sobrinho preferido, estava fora do país e telegrafou à viúva: “Ferido também no fundo do coração, não tenho expressões manifestar senhora, filhinhos, toda desolação e immensa dor”.(Consultei jornais mineiros e cariocas)

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