Por Carlos Batinga
O Brasil, provavelmente, é o único país do mundo que conta com um transporte coletivo urbano formal operado predominantemente pelo setor privado, porém financiado exclusivamente com a tarifa paga pelos usuários pagantes, os quais também subsidiam aquelas categorias que, ao longo do tempo, foram ganhando privilégios de gratuidade ou descontos na utilização desse serviço, a exemplo dos idosos com mais de 65 anos e os estudantes.
Apesar de essencial para o funcionamento das cidades, o serviço de transporte coletivo nunca foi tratado como tal pelos seus governos, cuja prioridade tem ficado apenas nos discursos pré-eleitorais ou nos momentos de crises mais agudas e pontuais que eventualmente ocorrem no setor. Nessas ocasiões, recebem ações emergenciais que também são pontuais e, cada vez mais, de baixa ou nenhuma eficácia.
Para conseguir esse “quase milagre” de operar em condições sempre adversas, foi sendo gradativamente comprometida a qualidade do serviço ofertado à comunidade, com ônibus superlotados, em especial nos horários de pico. Os pontos de parada, estações e terminais funcionam em precárias condições operacionais e de manutenção. Os veículos do transporte coletivos têm pouca ou nenhuma prioridade na utilização do sistema viário, o que leva este serviço público a ser um dos piores na avaliação da população que depende direta ou indiretamente do mesmo.
Se até então, os usuários cativos do transporte coletivo, bem como os não usuários diretos, aí incluídos os gestores públicos e os políticos de maneira geral, aceitaram passivamente esta situação e pouco se preocuparam ou agiram para mudá-la, mesmo considerando que mais de 60% dos brasileiros vivem nas médias e grandes cidades e geram quase 80% do PIB, tendo no transporte coletivo seu principal modal de deslocamento, seja para o trabalho, escola, lazer e outras.
Agora, com as consequências provocadas pela chegada da pandemia do Covid-19, despertou a atenção em toda sociedade quanto a precariedade desse serviço essencial e indispensável ao funcionamento das cidades, e está a exigir dos governos municipais, com o apoio do Ministério Público, ações efetivas e urgentes visando ampliar a oferta, mesmo com a demanda em queda, para evitar aglomeração no transporte coletivo e possibilitar cumprir o distanciamento social preconizado pelos órgãos e instituições da área de saúde como indispensáveis para conter a disseminação do vírus.
Consequentemente, esta situação aumenta o custo e provoca a necessidade de mudança na forma de contratação desse serviço e consequentemente a reformulação dos contratos atualmente em vigor, e exigirá também o aporte de recursos extra tarifários que possam vir a garantir o equilíbrio econômico-financeiro dos sistemas de transporte coletivo.
Vale ressaltar que o colapso na atual forma de prestação e remuneração dos serviços de transporte coletivo em nossas cidades já era esperado pelos técnicos que atuam na área e que já elaboraram um sem número de estudos e projetos nesse sentido para praticamente todos os municípios e regiões metropolitanas do país. Mesmo assim, não se logrou sensibilizar os tomadores de decisão em priorizar esse serviço público essencial. A pandemia do Covid-19 só veio apressar o desfecho e agora está nas mãos dos prefeitos a decisão de intervir financeiramente em socorro aos sistemas regulamentados de transporte coletivo ou presenciar a extinção desses serviços e deixar as cidades à mercê do transporte clandestino, o qual só aumenta os problemas de segurança e confiabilidade, comprometendo o desenvolvimento de nosso país que é eminentemente urbano. Assim, para se construir o novo ciclo virtuoso do transporte coletivo, é indispensável também o envolvimento do Governo Federal e dos Estados, pois os municípios sozinhos não tem a mínima condição de assumirem esse encargo.
Engº Carlos Batinga – Consultor em Mobilidade Urbana. Membro da ANTP – Associação Nacional de Transportes Públicos e do MDT – Movimento Nacional pelo Direito ao Transporte Público de Qualidade