Por Zizo Mamede
Nestes dias de 11 a 13 de junho de 2015, o Partido dos Trabalhadores realiza a segunda etapa do seu 5º Congresso em meio a maior crise de sua história, bem ao contrário do que insiste em negar o deputado Rui Falcão, presidente nacional da legenda.
O problema de Rui Falcão ao negar a crise partidária não é de daltonismo político. Certamente, é muito difícil para o dirigente máximo do PT – Lula é o grande líder, mas formalmente não é da direção – admitir erros e insuficiências que vêm sendo apontadas desde 2005, quando a crise de identidade se instalou no partido.
A direção nacional do PT, preocupada em não aprofundar a crise, sugere cautela nas críticas internas, para não darmos mais munição aos adversários e a grande mídia, que querem destruir o partido. Ficamos naquela situação poética construída por Caetano Veloso na bela canção Nosso Estranho Amor:
“Não importa com quem você se deite, que você se deleite seja com quem for … Não vamos fuçar nossos defeitos, cravar sobre o peito as unhas do rancor … lutemos, mas só pelo direito ao nosso estranho amor”
Mas, reconhecer que o PT vive uma longa, grave e profunda crise não significa jogar contra o partido, pelo contrário, é o exercício imprescindível para tirar lições da situação, reconhecer os erros, celebrar os acertos, fazer as leituras necessárias, corrigir os rumos e seguir adiante na luta por novas transformações para o país e no próprio partido.
De imediato o PT precisa sair da defensiva para enfrentar a ostensiva campanha de criminalização do partido. A tentativa do cinematográfico Joaquim Barbosa, ministro do STF, em condenar o PT como uma quadrilha, judicialmente não foi concretizada. Mas, a grande mídia insiste na versão extraoficial de que o PT é uma quadrilha. Pretendem desmoralizar todo e qualquer petista.
Enquanto o PT não reconhecer seus erros, sendo o mais grave a adoção do financiamento empresarial das campanhas, exatamente como todos fazem, além de reconhecer os desvios éticos de indivíduos dentro do partido, vai ser difícil superar essa interpelação ética que se faz ao conjunto partidário. Interpelação seletiva, diga-se de passagem, feita cinicamente só e somente só ao PT.
Ao PT, entretanto, não basta enfrentar a orquestrada campanha do conluio (mídia + setores do judiciário + oposição partidária) para destruí-lo eleitoralmente, bem como os erros cometidos por alguns de seus quadros mais brilhantes. Porque o PT vive a sua crise de identidade e isto é ainda mais perigoso do que uma crise conjuntural. O partido que acertadamente proclama em seus documentos oficiais a defesa do projeto do socialismo democrático como seu horizonte utópico, é o mesmo partido que está governando um país capitalista do tipo neoliberal.
Ganhar a presidência da república seguidas vezes não significa ser hegemônico nem sequer ser maioria na sociedade. O PT comanda o governo central do país e, uma vez na presidência da república, não teve capacidade, não teve vontade, não teve condições políticas para enfrentar os desafios estruturais do país (a política, a propriedade e a renda, a Justiça, a comunicação social, o rentismo).
As urgências que os governos liderados pelo PT enfrentaram em recente período (a fome, o desemprego, a insolvência de um Estado falido, o esvaziamento do Estado para governar e investir em infraestrutura e serviços, etc.) e as medidas anticíclicas contra a crise econômica de longa duração não reverteram o caráter neoliberal da economia brasileira.
As políticas adotadas à duras penas pelos governos petistas, nas brechas da economia capitalista neoliberal, são medidas típicas de um partido social democrata clássico, políticas reformistas para encarar graves urgências de um país socialmente injusto, politicamente conservador, culturalmente preconceituoso.
O PT perdeu a batalha ideológica (ou, como queiram, das mentalidades), traduzida pela constatação da presidenta Dilma como sendo “a batalha da comunicação”. Diversos e gabaritados analistas, de fora do país, a exemplo de Zygmunt Baurmam, Slavoj Zizek, Domenico De Masi, Perry Anderson, Thomas Piketty e o saudoso Eric Hobsbawn perceberam com olhar acurado as importantes conquistas do Brasil com os governos petistas. Mas, nem o PT nem o governo petista souberam narrar isto para o povo brasileiro.
Neste novo período de desafios mais estruturais, após o enfrentamento às urgências do país, o PT, os movimentos sociais e demais setores com quem o partido dialoga e se soma estão em uma encalacrada: fazer acontecer as tais “mais mudanças, mais futuro”: O que será da nova etapa do projeto socialdesenvolvimentista? Pior, estamos na defensiva para não vermos a reação desmontar aquilo que foi conquistado e ainda retomar nos retrocessos interditados em 2003 (estatuto da família, redução da maioridade penal, plutocracia política).
Sem mudanças profundas na economia, na política e nas mentalidades (ou, como queiram, na ideologia), sem as cautelas diante do pragmatismo da política, sem querer ver a sua própria crise, o PT poderá desaparecer enquanto identidade política atropelado, pasmem, pela velha e hipócrita balela udenista da corrupção.
Uma boa tradução da crise que vive o PT é a situação da sua direção nacional: Os 80% que formataram uma ampla aliança interna para arrebatar a direção do partido no último PED (o Processo de Eleição Direta do PT) não têm resposta para a crise, é refratária a qualquer mudança e ainda é comandada por um presidente que nega a crise; a minoria, que inclusive fez leituras antecipadas e anteviu o problema de disjunção entre o partido (mais do que do governo) e a sociedade, é muito pequena e isolada e está longe de ser convincente para furar o bloqueio interno e formar uma nova maioria.
É possível imaginar uma crise maior do que esta para o mais importante partido do país? Mas, como é sábio reconhecer, a crise é uma oportunidade. Vamos enfrentá-la, porque o Brasil precisa do PT.