Por Ramalho Leite
Há poucos dias ganharam manchetes nos jornais e sítios da internet, a notícia de que o ex-Arcebispo de Olinda e Recife, Dom Helder Câmara, poderia virar Santo. O Vaticano, segundo o informe, teria dado sinal verde ao prosseguimento do feito na Congregação da Causa dos Santos. Por essa decisão, o pequeno-grande Helder já pode ser considerado Servo de Deus. É o primeiro passo.
Fiquei surpreso por que tão rapidamente o Vaticano concedeu o Nihil Obstat a Dom Helder, quando o processo de canonização do padre Ibiapina tramita há mais de vinte anos, sem a nomeação de, pelo menos, um “advogado do diabo”, para a formalização da instrução e da conclusiva investigação de suas virtudes.
Igualmente reconhecido Servo de Deus, Ibiapina abraçou o sacerdócio a partir dos 47 anos de idade. Antes foi magistrado, chefe de polícia, deputado e advogado dos pobres e oprimidos.Desencantado com a vida pública foi ordenado padre sem passar pelo Seminário.Conhecia Direito Canônico mais do que ninguém, e logo tornou-se professor do Seminário de Olinda.
Avançado no tempo, Ibiapina fez a opção pelos pobres ainda no Século XIX, quando a nossa Igreja, só depois do Vaticano II, adotou a Teologia da Libertação. Construtor de igrejas, capelas e cemitérios, era também inconformado com a seca e sua conseqüente miséria. Construiu açudes e barreiros para matar a sede dos sertanejos. As Casas de Caridade, erigidas em 22 cidades desse imenso nordeste, serviram para morada de órfãos e educação dos que não possuíam outros meios de encontrá-la. Precisa de pelo menos dois milagres para ser venerado como Santo.
No Brasil, não temos ainda um santo nacional, apesar dos muitos batizados pelo povo: Ibiapina, Antonio Conselheiro, Padre Cícero e o brasileirado Frei Damião de Bozzano, italiano de nascimento.Os dois últimos, de história mais recente e ainda viva na lembrança dos nordestinos.
O padre José Comblin, que repousa ao lado de Ibiapina, em Santa Fé, Solânea, estranhava a ausência de um santo brasileiro, declarando: “ aqui no Brasil venera-se São João Maria Vianney, o cura de Ars, como modelo dos sacerdotes. Ora, há uma distância infinita entre o cura de Ars e a história dos sacerdotes no Brasil. A figura de São João Maria Vianney é totalmente inimitável: alguém que foi vigário de uma paróquia de 228 habitantes, cujo maior problema pastoral foi a existência de duas bodegas no território da paróquia — flagelo que conseguiu eliminar depois de anos de insistência. Os desafios dos padres no Brasil são outros” .
O desafio de Antonio Conselheiro por exemplo, era fazer de Canudos “uma comunidade igualitária sob o amparo de Deus”. Instalou na sua cidadela uma economia auto-sustentável onde ninguém passaria fome. A República nascente atacou seu projeto e fez milhares de vitimas em uma guerra quase santa.Triste memória.
Alguns historiadores afirmam que Conselheiro e Padre Cícero foram influenciados por Ibiapina, cada qual com sua história mas no mesmo cenário resultante da estiagem do semi-árido: a pobreza, as doenças e a fome.
Enquanto o Vaticano não canoniza um brasileiro, (João Paulo II, beatificou 1.340 pessoas até 2004) nosso povo já consagrou Padre Cícero, Antonio Conselheiro, Frei Damião e Padre Ibiapina como Santos do Povo, e repetirá até o final dos séculos, a saudação ibiapiniana: “Louvado Seja Nosso Senhor Jesus Cristo”.