Por Ramalho Leite
Testemunhei recentemente o drama enfrentado pelos paraibanos com o desabastecimento de combustíveis e a tentativa de normatizar o suprimento do nosso Estado através do porto de Suape. Lembro que essa supremacia de Pernambuco sobre a Paraíba vem do Brasil Colônia. Mesmo existindo duas Cartas Régias que mandavam a Capitania da Paraíba comercializar diretamente com a Coroa portuguesa, o nosso açúcar partia do Recife com destino à Corte. A Paraíba era explorada dupla mente: pelos portugueses e pelos comerciantes pernambucanos. Agora haveria uma inversão de percurso. O combustível deixaria de ser entregue em Cabedelo e sairia de Suape em caminhões tanques que invadiriam as estradas para nos atender. Se ontem os donatários não reclamaram, hoje, ouviu-se o grito altaneiro do nosso Capitão Mor.
A reação do governador Ricardo Coutinho encontrou eco no Planalto e a Paraíba voltou a ter navios no seu porto.
Do Império à República sempre os estados maiores tentaram usurpar os direitos do seu vizinho de menor porte. Foi preciso afiar sempre as garras para evitar ser engolido. Outro exemplo: no passado, as estradas de ferro eram o marco do progresso. Um decreto fixava na Paraíba a chefia dos serviços ferroviários em execução neste território. Revogou-se o decreto e Pernambuco passou a centralizar a autoridade ferroviária.Houve protesto. No Congresso Nacional o deputad o Coelho Lisboa foi à luta. Da tribuna, firmou posição:
“Sr Presidente, em vista das declarações cathegóricas que acaba de fazer um dos illustres membros da comissão de orçamento com relação às emendas apresentadas devo sentir-me desanimado”.
O pernambucano Artur Rios se disse condescendente. Veio a réplica de Coelho Lisboa:
“- V.Excia foi condescendente, é verdade, concordando com uma terça parte das minhas emendas,mas não foi condescendente com a Parahyba quando como principal golpe contra ella desfechado propôs a revogação do decreto 1705, de 30 de abril de 1894” (Que retirava a chefia dos trabalhos da estrada de ferro, da Paraíba para Pernambuco).
E continuou o deputado areiense:
“Sr.Presidente, os pequenos estados luctam desde a colônia. E não sei até quando continuarão a luctar, contra a prepotência dos grandes estados visinhos. V.Excia. como representante do poderoso estado de Pernambuco, V Excia mesmo reconhecerá e no mesmo momento em que me dá a palavra deve guardar consigo a convicção de que o humilde batalhador da Parahyba não vem mais do que levantar um protesto, um protesto talvez inútil contra o predomínio de que teem sido victimas e por muitos anos hão de ser ainda todos os pequenos estados que tenham ao seu lado estados com força e representação sufficientes para suffocar todas as aspirações de independência e autonomia que aspiram”.
Disse tudo, e disse muito bem! Esse Coelho Lisboa foi também Senador no inicio do século passado.
Muito prestigiado, sua chegada à Paraíba era festejada, até porque, vinha de quatro em quatro anos.
A partida, de volta às suas atividades no Congresso Nacional, era destaque na primeira pagina do Órgam do Partido Republicano do Estado da Paraiba – A União: “S.Exc. dr. Coelho Lisboa tomou ante-hontem, o trem do Pilar, de onde seguirá para a cidade do Recife com destino á Capital Federal.Á estação acompanharam-n´o diversos amigos, entre os quaes s.exc. o dr.Gama e Mello, presidente do Estado,dr.José Pereira Maia,chefe de policia,major Bento Paes, comandante do batalhão de segurança,chefes e empregados de repartições estaduaes e federaes, representantes de todas as classes sociaes e amigos pessoaes do simpáthico e illustre deputado que na Parah yba é uma das individualidades mais bemquistas e prestigiadas”.
A propósito, ontem, a Academia Paraibana de Letras preencheu a cadeira 12, que tem Coelho Lisboa como patrono. Jornalista e advogado como seu patrono, Abelardo Jurema Filho passou a ocupar a cadeira que pertenceu ao imortal Wellington Aguiar, de saudosa memória. Abelardo, do lado paterno, é neto de Geminiano Jurema Filho, nome in pectoris do deputado José Pereira para ocupar a vaga de João Pessoa, em caso de um hipotética intervenção na Paraíba por conta da “guerra de Princesa”. Do lado materno, Abelardo é neto de Osvaldo Pessoa e, assim, se diz um conciliador, por correr nas suas veias sangue perrepista e liberal a um só tempo.
O patrono da cadeira 12 era aguerrido e veemente nos debates, mas também um espírito apaziguador. Conta A União que, no parlamento, tentou evitar um desforço pessoal com um certo deputado Seabra.
“O Dr Seabra recusou a luva atirada pelo seu collega Dr. Coelho Lisboa, dizendo, entretanto, estar prompto para brigar em plena rua.” (Textos do noticiário de A União, novembro de 1894. Mantive a grafia da época)