Imagine um time ser campeão, levantar a taça e, anos depois, ver essa glória ser esquecida por todos. Pior ainda, constatar que justamente o adversário batido na finalíssima é, para muitos, o verdadeiro vencedor.
Parece coisa dos primórdios do futebol, não é? Mas na verdade aconteceu recentemente, há pouco mais de 30 anos, e na Paraíba. A Socremo de Monteiro, legítima campeã da 2ª Divisão do Paraibano de 1992, é simplesmente ignorada nos principais sites especializados. Para estes, o campeão é o Atalaia de Bananeiras.
Antes de contar essa história (e a razão de tamanha confusão) é bom contextualizar o que aconteceu naquele ano. E que talvez ajude a elucidar o mistério.
O processo de interiorização
Vamos começar com a própria Segundona. Era o primeiro campeonato de acesso organizado pela Federação Paraibana de Futebol (FPF-PB). Rosilene Gomes, então presidente da entidade, alardeava para os quatro cantos o desejo de interiorizar o futebol no Estado. Para isso, havia criado, em 1990, a Copa Integração – uma competição mista de times amadores e profissionais.
Um ano depois, a competição passava a dar ao campeão a possibilidade de ingressar na primeira divisão do Campeonato Paraibano – desde que, evidentemente, se profissionalizasse. Foi assim que Sousa e Atlético de Cajazeiras, os melhores entre os clubes amadores na segunda edição da Copa Integração, garantiram passaporte para a elite em 1991.
Nessa época, a Liga Monteirense de Futebol havia feito uma seleção para disputar a competição, assim como a Liga Cajazeirense e a Liga Serrabranquense também o fizeram. Elas jogariam em pé de igualdade com clubes já tradicionais em suas cidades, como Atalaia de Bananeiras, Confiança de Sapé, União de Pirpirituba, Industrial de Ingá, e por aí vai…
O sucesso foi tão grande que a FPF-PB decidiu promover de vez uma divisão de acesso a partir de 1992. E aí começa pra valer a nossa historinha…
A Segundona de 1992
Para participar de uma divisão de profissionais, a Liga Monteirense de Futebol resolveu inscrever a Sociedade Cultural e Recreativa de Monteiro, popularmente conhecido como Socremo. O clube, fundado em 1968, foi o escolhido para representar a região do Cariri na Segundona.
A competição teve outros cinco clubes: Atalaia de Bananeiras, Confiança de Sapé, São Bento de Bayeux, Nacional de Pombal e o Sport de Teixeira. Pelo regulamento, os times se enfrentavam em jogos de ida (primeiro turno) e de volta (segundo turno). Os campeões de cada turno decidiam o título e estavam automaticamente classificados para a primeira divisão em 1993.
A Socremo ganhou o turno com uma campanha invicta: três vitórias e dois empates. Ali o acesso estava garantido. No segundo turno, deu Atalaia. Já em clima de festa, as duas equipes se encontraram para uma melhor-de-três valendo o simbólico título da 2ª Divisão.
Finais esquecidas
É importante ressaltar que as conquistas de turno foram muito mais comemoradas do que o título na finalíssima. E aí começa a confusão. Quando o Atalaia faturou o segundo turno, as manchetes em todos os jornais da época saudavam o novo participante da elite. O status de campeão da fase acabou sendo confundido com o título da Segundona.
E isso tem uma explicação. A FPF-PB teve a brilhante ideia de fazer as finais da 2ª Divisão nos mesmos dias em que Auto Esporte e Treze duelavam na melhor-de-três valendo o título do Campeonato Paraibano. Ou seja, ninguém deu muita importância para as duas vitórias conseguidas pela Socremo sobre o Atalaia – 3 a 0 em Monteiro, e 2 a 0 em Bananeiras, que sacramentou o título.
Os jornais “A União” e “O Norte” até fizeram referência à conquista monteirense alguns dias depois. Sem muito alarde, diga-se de passagem. As manchetes exaltavam mesmo o título do Auto Esporte na emocionante final diante do Treze, em pleno Amigão.
Jornal A União destaca título conquistado pela Socremo em 1992 (Foto: Reprodução/Jornal A União)
A campanha da Socremo
Os principais sites especializados resolveram considerar o Atalaia como campeão paraibano da 2ª Divisão de 1992 – certamente com a confusão causada com o título do returno. E logo o erro foi sendo propagado pela internet. De todos os sites pesquisados, o único a cravar a Socremo campeã de 1992 foi o RSSSF – The Rec Sport Soccer Statistics Foundation. Ainda assim, sem a campanha completa.
O Jornal “O Norte”, em sua edição de 22 de dezembro de 1992, trouxe a campanha completa da Socremo e os 22 jogadores que participaram da campanha. O time-base utilizado pelo técnico Deca foi o seguinte: Bolachinha, Silvano, Balu, João Carlos e Pedrinho; Alfredo, Zé Teodoro e Teminha; Fumaça, Bacurau e Chan. O artilheiro da equipe foi o atacante Chan, maior ídolo da história da Socremo, com 6 gols marcados.
Com alguns ajustes, segue a trajetória até a conquista do título:
1º turno
- 13/09/1992 – Socremo 3 x 1 Atalaia
- 20/09/1992 – Sport Teixeira 0 x 0 Socremo
- 27/09/1992 – Socremo 2 x 1 São Bento
- 11/09/1992 – Confiança 0 x 0 Socremo
- 18/10/1992 – Socremo 5 x 1 Nacional de Pombal
2º turno
- 01/11/1992 – Atalaia 1 x 0 Socremo
- 08/11/1992 – Socremo 3 x 1 Sport Teixeira
- 15/11/1992 – São Bento 0 x 0 Socremo
- 29/11/1992 – Socremo 5 x 0 Confiança
- 06/12/1992 – Nacional de Pombal 0 x 0 Socremo
Finais
- 13/12/1992 – Socremo 3 x 0 Atalaia
- 17/12/1992 – Atalaia 0 x 2 Socremo
O jogo do título
- Atalaia 0 x 2 Socremo
- Data: 17/dezembro/1993
- Local: Estádio Bezerrão (Bananeiras)
- Árbitro: Ivan Fernandes
- Gols: Zé Teodoro e Chan
- Atalaia: Galão, Ênio, Hermes, Duy e Pádua; Ronaldo, Vianei e Iran; Sérgio, Wilsinho e Tião; Técnico: Ubiratan
- Socremo: Bolachinha, Silvano, Balu, João Carlos e Pedrinho; Alfredo, Zé Teodoro e Teminha (Pelé); Fumaça, Bacurau e Chan; Técnico: Deca
Lista de campeões
Com a reparação histórica e o título de campeão da Segundona de 1992 devidamente registrado para a Socremo, o Jornal da Paraíba republica os vencedores da divisão de acesso do futebol paraibano:
- 1991 – Sousa *
- 1992 – Socremo
- 1993 – Vila Branca
- 1994 – Santa Cruz
- 1995 – Ouro Velho
- 1996 – Santos
- 1998 – Serrano
- 2000 – Santa Cruz
- 2001 – Miramar
- 2004 – Nacional de Cabedelo
- 2005 – Esporte
- 2006 – Auto Esporte
- 2007 – Queimadense
- 2008 – Internacional
- 2009 – Desportiva Guarabira
- 2010 – CSP
- 2011 – Paraíba de Cajazeiras
- 2012 – Atlético de Cajazeiras
- 2013 – Esporte
- 2014 – Lucena
- 2015 – Esporte
- 2016 – Internacional
- 2017 – Nacional de Patos
- 2018 – Sport Lagoa Seca
- 2019 – Esporte
- 2021 – CSP
- 2022 – Serra Branca
- 2023 – Atlético de Cajazeiras
Jornal da Paraiba
…Tive a oportunidade de assistir alguns jogos da SOCREMO. Recordo-me de dois atletas que jogavam muita bola: Chã e Teminha. Nostalgia!.