O presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, negou nesta sexta-feira (15) um pedido da Procuradoria-Geral da República para revogar uma decisão controversa do próprio ministro que lhe deu acesso a dados sigilosos de 600 mil pessoas.
No despacho, Toffoli desafia o Ministério Público Federal e pede que a instituição informe à corte, voluntariamente, quais de seus membros estão cadastrados no sistema do antigo Coaf para ter acesso a esses relatórios financeiros nos últimos três anos.
Além de manter sua ordem anterior, o presidente do Supremo ainda intimou a UIF (Unidade de Inteligência Financeira), nome do antigo Coaf rebatizado pelo governo Jair Bolsonaro, a fornecer mais informações até a próxima segunda-feira (18).
Toffoli pediu também ao Ministério Público Federal que diga quantos relatórios foram enviados de ofício por parte da UIF, vinculada ao Banco Central, e quantos em razão de sua própria solicitação.
O gesto do presidente do Supremo ocorreu após pedido do procurador-geral Augusto Aras, que classificou de “medida demasiadamente interventiva” a decisão de requisitar acesso às mesmas informações.
Como revelou a Folha, Toffoli determinou no último dia 25 que fossem enviados à corte todos os relatórios financeiros produzidos nos últimos três anos pelo antigo Coaf, além de representações fiscais da Receita Federal. A medida foi criticada por integrantes do Ministério Público Federal e congressistas, que temem uma devassa em informações sigilosas.
Ao negar o pedido de Aras para que sua decisão fosse revogada, Toffoli alegou que não chegou a fazer o cadastro técnico para ter acesso aos relatórios (embora tenha solicitado essas informações e obtido autorização para acessá-las).
“Não se deve perder de vista que este processo, justamente por conter em seu bojo informações sensíveis, que gozam de proteção constitucional, tramita sob a cláusula do segredo de justiça, não havendo que se cogitar, portanto, da existência de qualquer medida invasiva por parte do Supremo Tribunal Federal, maior autoridade judiciária do país”, disse Toffoli na decisão.
Ao pedir os dados de 412,5 mil pessoas físicas e 186,2 mil jurídicas, a justificativa do presidente do Supremo era entender o procedimento de elaboração e tramitação dos relatórios financeiros (do antigo Coaf) e fiscais (da Receita).
Toffoli já havia pedido informações dessa natureza antes, mas elas teriam chegado de forma genérica demais.
No entendimento de Aras, a ordem de Toffoli foi uma “medida desproporcional que põe em risco a integridade do sistema de inteligência financeira, podendo afetar o livre exercício de direitos fundamentais”.
O PGR disse que a medida é “dispensável ao fim pretendido de conhecimento da metodologia empregada pela Unidade de Inteligência Financeira”. Segundo ele, a corte poderia, “de forma menos invasiva, solicitar ou admitir manifestação de pessoas, órgãos ou entidades com interesse na controvérsia”.
O assunto havia gerado preocupação no governo —segundo a Folha apurou, havia nos relatórios menção a integrantes da família Bolsonaro e a outras autoridades. Nos últimos dias, os ministros Sergio Moro (Justiça) e Paulo Guedes (Economia) teriam sido consultados para encontrar uma solução para a polêmica.
Após pedir acesso ao material em 25 de outubro, Toffoli recebeu em 5 de novembro a resposta do Banco Central, que liberou os caminhos para a consulta dos dados, mas fez um alerta devido ao sigilo e por incluir informações de “um número considerável de pessoas expostas politicamente e de pessoas com prerrogativa de foro por função”.
A UIF informou a Toffoli que não conseguiria lhe enviar cópias dos relatórios, mas deu ao ministro uma espécie de senha de acesso ao seu sistema.
O órgão confirmou em nota que ainda não houve consulta aos relatórios pelo Supremo, já que a “autoridade destinatária” não fez o cadastro necessário para acessar o sistema.
Na decisão desta sexta-feira, Toffoli intimou a UIF a entregar até as 18h de segunda-feira as seguintes informações: quais instituições são cadastradas para receber os RIFs (relatório de inteligência financeira); por instituição, quais são os agentes cadastrados e desde quando estão cadastrados no sistema; quantos desses relatórios foram disponibilizados por instituição de ofício, por iniciativa da UIF; quantos foram disponibilizados por agentes cadastrados e respectivas instituições, de ofício, por iniciativa da unidade; quantos foram solicitados por instituições e quais são elas; quais agentes solicitaram RIFs, respectivas instituições e suas respectivas quantidades.
As informações sigilosas ficam em poder dos órgãos de controle porque eles têm atribuição, prevista em lei, para obtê-las (a partir de instituições como bancos), analisá-las, guardá-las ou repassá-las ao Ministério Público, que faz investigação criminal, quando houver alguma suspeita.
Para especialistas, não haveria justificativa legal para que as informações fossem remetidas ao STF —que não investiga os dados desses relatórios.
A determinação de Toffoli foi no âmbito de um processo (recurso extraordinário) no qual, em julho, ele já havia suspendido todas as investigações do país que usaram dados de órgãos de controle sem autorização judicial prévia.
Naquela ocasião, Toffoli concedeu uma liminar atendendo a um pedido de Flávio Bolsonaro, senador eleito pelo PSL-RJ, filho do presidente Jair Bolsonaro e que era alvo de uma apuração do Ministério Público do Rio. O plenário do Supremo analisará esse tema na próxima quarta (20).