Por Rafa Carvalho e Samuel de Monteiro – A gente pede licença para tornar este texto mais pessoal. É que certas coisas carecem disso. Faz cerca de um mês que Asa Branca se encantou. Virou estrela de vez.
José Geovaldo Gondim, vulgo Asa Branca do Ceará, nasceu em Aurora, sendo registrado em Mauriti, ambas no estado cearense. Aos 9 anos começou a vender folhetos (cordel) nas feiras e iniciou no improviso aos 15 anos ao lado de Pinto do Monteiro, um dos mais potentes repentistas da história do improviso, também conhecido como o “Cascavel do Repente”. Desta época em diante, teve a oportunidade de improvisar com outros grandes repentistas como os irmãos Lourival, Otacílio e Dimas Batista, Sebastião Marinho, Ivanildo Vilanova, Geraldo Amâncio, Zé Cardoso, José Laurentino e outros tantos. Destacou-se, porém, dos demais pela beleza e profundidade de suas rimas. Foi autor de mais de 100 folhetos de cordel. Apaixonado pela poesia e pelo amor ao próximo realizou diversas ações sociais em prol dos vulneráveis em Monteiro na Paraíba, onde se estabeleceu, como em toda região. Asa Branca deixa para este município, como para todo Brasil, um legado. Agora se calam as histórias, causos e cordéis na voz tão marcante de quem sempre apresentou a paisagem e personagens do Cariri Ocidental Paraibano, para os mais diversos cantos do país. Além de repentista e cordelista Asa Branca do Ceará teve inúmeras atividades tais como marceneiro, alfaiate, radialista e até artista de circo e sobre isso ele fala nesta sextilha:
Sou a mistura de artes
Como o pintor faz nas telas
Sou marceneiro, alfaiate
Amante das coisas belas
Tenho tantas profissões
Que me perco dentro delas
Eu, Rafa Carvalho, sou desses perdidos também. E talvez aí esteja uma das coisas que me aproximaram tanto de Asa. Escrevo este texto, assim pessoal, a quatro mãos, junto com Samuel de Monteiro (seu filho e meu irmão de arte e da vida). Coisa que Samuel não sabia ainda, é que a feição de Asa sorrindo, já velhinho, me remetia muito à feição e ao sorriso de minha vó, encantada já antes. Uma feição e um sorriso que o tempo talvez molde com calma na gente, depois de tanta vivência. Foi isso que imaginei na última vez em que Asa esteve presencialmente no Estrela Dalva, em Campinas, que é, dentre outras coisas, um viveiro da cultura nordestina na cidade. Na ocasião estavam Asa, Xexéu da Paraíba, como cantadores, e o xilogravurista J. Borges (que não parava de encher o meu copo) e seu filho também xilogravurista Pablo Borges. Olhei pra eles e me perdi tentando arredondar o valor inestimável de sabedoria e cultura que se reunia ali.
De Asa, muitos dos seus trabalhos seguiram seus próprios caminhos, uma vez que o poeta popular vive do improviso, faltando a prática, por vezes, de manter o arquivo e a documentação das obras criadas. Alguma coisa fica na memória e a grande maioria nas mãos de quem adquiriu seus discos e cordéis variados. Em Campinas, foi um dos primeiros, em 2010, a apresentar a tradicional cantoria de improviso “pé de parede”, no antigo Empório Gabriel. Nos últimos 20 anos, estabeleceu uma parceria criativa com Samuel, cordelista e produtor cultural, seu filho e herdeiro poético, com quem escreveu muitos cordéis, poemas e participou de dezenas de projetos culturais em terras paulistas, como por exemplo, São Paulo, Campinas, Piracicaba, Jundiaí e no Nordeste, em Monteiro, Bezerros (PE), Sertânia (PE), entre outras cidades. Sendo que nos últimos anos, o Estrela Dalva tornou-se um pouso certo em suas vindas para o Sudeste.
Foi um grande comunicador, mantendo programas em rádios importantes do sertão nordestino, por mais de 50 anos. Os mais importantes, foram “No Varandão da Fazenda”, que permaneceu no ar por mais de 30 anos, em rádios diversas; “O Cantador e a Viola”, “A Viola e a Sanfona”, entre outros. Sua última casa foi a Rádio FM Imprensa de Monteiro. Asa Branca do Ceará, fez o seu último voo, nas primeiras horas do dia 07 de outubro de 2023 e foi sepultado, em Monteiro, no dia 08 de outubro de 2023, ao som dos improvisos de Xexéu da Paraíba e Michel Torres.
E bom, um mês depois, nesta quarta-feira dia 08 de novembro, o Sarau da Dalva batiza sua edição como “O último voo de Asa Branca” e faz uma louvação, a Asa e todo seu legado, mas também a todo Nordeste e à cultura nordestina. A noite se abre com Givly Simons, DJ alagoano com um set especialmente concebido para o evento. A partir daí, o microfone fica aberto à participação de todas, como de costume, com Samuel fazendo as honras da mediação. Helen Quintans, multiartista também filha de Asa e radicada em Campinas, participa compondo os registros audiovisuais de todo o encontro, que conta ainda com a apresentação especial do grupo Madureira Armorial, quinteto de música instrumental que visa manter vivo o legado do escritor e teatrólogo Ariano Suassuna durante o movimento armorial, a criação de uma música de concerto brasileira, que bebe das fontes da cultura popular, buscando a preservação e a valorização da cultura nordestina e nacional.
O evento começa às 19h e, como sempre, é de participação livre e gratuita. Uma noite especial em que as pessoas todas, no Sarau da Dalva, se constelam a Asa, Dalva e outras tantas, unindo o futuro à ancestralidade. E, apesar do nome, sabemos que Asa (com todo seu legado) seguirá seus voos por aqui. Por onde a gente fizer poesia, cantoria (coisas belas, tantas profissões…) e, enfim, por onde a gente sorrir, Asa estará lá, pra que a gente voe junto.
Serviço
Sarau da Dalva – O último voo de Asa Branca
08/11/23, quarta-feira, às 19h
Bar do Manoel – Estrela Dalva
Av. Lafayette Arruda Camargo, 767, Parque São Quirino, Campinas (SP)
Tel: (19) 3296 4912 / 9 9167 9192