Transar: o pecado de Ingrid

Uma matéria da Superinteressante indica que cada atleta deve transar seis vezes por dia durante a Olimpíada. São quase todos jovens, atléticos e bonitos no ápice da vida hormonal e esportiva em um lugar reservado só para eles, a Vila Olímpica. O que poderia ser mais natural?

Historicamente, basta um sinal para que atletas tenham privacidade em seus quartos durante competições. Uma toalha branca pendurada na porta fechada indica: aqui dentro tem gente transando, favor não entrar. Um acordo tácito, todos obedecem. Isso desde os tempos de Garrincha — haja toalha!

É verdade que muitos dos técnicos, metidos a durões, se recusavam a aceitar o sexo de seus comandados como natural. Acreditava-se que isso poderia atrapalhar o rendimento, mas hoje há vários estudos que provam o contrário.

Décadas depois e alheios a comprovações científicas, surge o primeiro escândalo sexual forjado da Rio 2016. É necessária uma regressão para entender o porquê a “escapulida” — como foi chamado o caso da saltadora Ingrid Oliveira — provocou tanta fúria em seus compatriotas.

Meses antes dos Jogos, a saltadora brasileira era absolutamente ignorada. Não se falava dela até que uma foto postada no Instagram despertou a curiosidade dos leitores. O interesse, claro, não era esportivo.

A imagem mostra a bela jovem de 20 anos do alto do trampolim de salto ornamental. De maiô, sua roupa de treino, ela aponta para os anéis olímpicos no horizonte. Uma foto com um quê poético, mostrando a Olimpíada no porvir. Mas é lógico que ninguém se interessou pela poesia. Mesmo sentada, a atleta chamava atenção por suas curvas.

Ingrid é alçada àfama instantânea. O salto sincronizado, em nenhum momento, foi o alvo das atenções. As disputas do esporte feminino, afinal, estão sempre em segundo plano. O importante é o flagra, o biquíni, a seleção de musas — como atestado por um estudo de Cambridge. Só se falava dela, do corpo dela, do coração dela.

Iniciada a competição, Ingrid volta aos holofotes como sexy symbol perambulando de uniforme entre as piscinas. Oooohh, um maiô. Na cabeça doentia de seus pseudofãs, Ingrid é obrigada a ter um desempenho esportivo à altura do desejo que despertara.

Às vésperas do grande salto, a nadadora resolve levar um outro atleta para o quarto — como dezenas, centenas de desportistas. Chega para a colega de saltos ornamentais, com quem andava meio desentendida, e pede:

— Amiga, você pode dormir em outro quarto?

Ela bate boca, é dedurada para o Comitê Olímpico e a eliminação — para lá de óbvia — passa a ser inaceitável. Pronto, forjado o escândalo. Como pode? Que falta de profissionalismo, que devassidão, que falta de companheirismo.

Ingrid deu e não pode ser perdoada por isso. Aqueles que a desejaram agora passam a humilhá-la publicamente do alto de seus desejos reprimidos inalcançáveis. O machismo fala mais alto. E se revela, sobretudo, em um silêncio estratégico.

Ingrid não foi para o quarto sozinha. E o tal muso que a acompanhou? Sua participação na Olimpíada, como a dela, também não havia acabado. Classificado, ele tem dois troféus: a vitória e Ingrid. Eliminada, ela tem a dupla derrota: o vexame esportivo e o sexual. Como se transar fosse um vexame.

Pode ser que os dois não tenham escolhido a melhor hora ou o melhor lugar para dormir juntos. Mas isto é apenas uma suposição que cabe ao casal julgar. Ingrid, porém, não está sendo escorraçada porque não avançou para as finais.

O pecado dela é usar o corpo para o próprio prazer. O pecado dela é que seu corpo seja fonte do prazer masculino, mas não daqueles milhares que a desejam. Todos deveriam fazer como Ingrid.

A vida é para ser gozada quando bem entendermos. E o momento cabe a nós, somente a nós. Uma coisa, no entanto, deve ser lembrada. Para sempre: tenha amigos que liberem o quarto.

Gabriel Barreira

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