UMA CANÇÃO PARA ARÍCIA

Por Zelito Nunes

Arícia. Igual a todas as crianças da sua idade e do seu meio,brincou com as poucas bonecas que teve,correu atrás das galinhas,cabritos e gatos que habitavam o seu pequeno o universo que foi o minúsculo terreiro da também pequena casa onde habitou e viveu todas as traquinagens que todos nós crianças que vivemos naqueles Cariris Velhos viveram.

Sua mãe cuidando das coisas da casa e o seu pai,exercendo uma das atividades mais inóspitas de que sem tem notícia até hoje,no meio da caatinga e debaixo de um sol mais inclemente que é o dos Cariris Velhos,cavando buracos e enterrando estacas na terra seca,tecendo as cercas que delimitam propriedades que nunca serão suas.

Mas tudo se transformava e se encantava na volta pra casa no fim de mais uma dia lá estava Aricia se equilibrando nos paus da porteirinha pra o melhor dos abraços.

Mas um dia os olhos cor de mel de Aricia perderam o brilho e o eco da sua cantiga se dissolveu nas lonjuras dos horizontes daqueles Cariris Velhos.

Aricia partiu nas asas de um inexplicável e implacável vendaval.

Pra não voltar nunca mais,levando consigo uma parte (ou tudo) de quem ou pra quem era tudo.

Penso que uma criança quando se vai,leva consigo antes de tudo, todo um projeto de continuidade dos da sua tribo,como a semente que murchou antes de plantada ou a flor que “morreu de sede” como disse um poeta daquele lugar.

Arícia afinal poderia vir a ser uma professora ,engenheira ou até uma médica que iria salvar crianças do seu lugar(o que não foi o seu caso).

A nossa dor profunda e as nossas lágrimas,não vão trazer Arícia de volta,é certo que não.

Assim como a resignação contida no princípio de que foi a vontade de um Deus que tudo pode,também não.

Mas o que dizer a um pai que de volta pra os pequenos cômodos da sua morada e sai esbarrando nos chinelos,nos brinquedos,nas roupas e na mochila da escola de uma única filha que tinha e que acabou de enterrar com apenas sete anos de idade?

Talvez,estancadas as suas lágrimas e de volta pra o seu trabalho (a vida não pode parar)no meio da caatinga, um bentevi do alto do mais alto galho de uma aroeira tenha algo a lhe dizer.

Quem sabe….

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